terça-feira, outubro 12, 2004

Do Luiz Pacheco, belas letras e malas artes

Nesta noite que passou, passar mal por passar mal passei boa parte a ler aos pedaços um livrito que tinha levado da tabacaria, vi-o lá a olhar para mim e era só dois ou três euros nem perdia muito. Trata-se de uma recolha de textos de Luiz Pacheco, dispersos por tempos e publicações várias e que "o Independente" resolveu compilar e oferecer aos leitores por tuta e meia, a ver se escoa o raio do jornal. Obra meritória, o livrinho não a porcaria do jornal que foi logo fora. Como sabem alguns de vocês, os que sabem pois claro, o Pacheco é um velhadas deveras ordinário mas que anda metido na nossa desgraçada república das letras - republicazinha bem pequenina mas tão ordinária como o Pacheco só que mais disfarçada - a bem dizer desde que o mundo é mundo. Coisas das mafias literárias, das edições, dos livros, das revistas, dos autores, dos grupos, dos influentes, dos prémios, de tudo, e sobretudo do mais escabroso, o Pacheco sabe. Acrescente-se que o gajo, pese embora a ordinarice, tem talento, e não deita açúcar no tinteiro, quer dizer que deita cá para fora uma escrita assim a modos que autêntica, ao natural, sem tiques delicodoces. Não é sempre, que bem se topa quando ele está a fazer-se à fotografia, a compor o retrato, olhem pra mim como sou cru e verdadeiro, ou a tecer loas com volta na ponta, ou a ajustar contas pouco literárias, mesmo que às vezes envolvam letras.
O certo é que ler o Pacheco me parece exercício útil e salutar, instrutivo mesmo. Aprende-se. Pela escrevinhação, com fulgor e expressividade raras neste tempo de prosas chochas, escribas feitos a encher chouriços em redacções avençadas e escritores feitos por encomenda, a preço fixo, à peça, tanto por mês, com casa posta e trapinhos por conta da editora, a não sei quantas folhas A4 por semana. E pelas histórias, que o gajo está cheio, conheceu-os a todos, aquilo é só despejar.
Some-se que o malandro tem intuição crítica e saber de ofício, velho tarimbeiro de olho vivo, e atira certeiro quando vai por aí sem concessões, e percebe-se o meu interesse.
Vão ler também. Ainda hoje dão barrigadas de rir aquelas sacanices de andar a contar as frases que o Namora surripiou do Vergílio Ferreira, e mais ainda as reacções do meio - fazia parte das regras ver e calar, patifaria era denunciar... E quantos mais sonâmbulos chupistas, ou só sonâmbulos ou só chupistas, povoam as crónicas!... Vão lá ler se fazem favor.