O que faz o tempo
Há muitos anos atrás um jovem jornalista lisboeta ficou famoso entre os seus pares por causa de uma reportagem sobre o terramoto de Agadir. A celebridade não veio da reportagem, que certamente tinha mérito, cheia de realismo e com a intensidade própria de quem vive o acontecimento na hora e no local - mas certamente havia outras igualmente boas.
A celebridade e a consagração vieram quando se descobriu que o talentoso repórter nunca tinha saído de Lisboa.
Foi por assim dizer um pioneiro destes que actualmente fazem reportagens à secretária, blogando na internet; e também se esqueceu de referir as fontes onde tinha bebido, ou de informar os leitores da sua especialissima técnica.
Nestes últimos dias tenho-me lembrado desta história, entretanto esquecida, ao divagar pelos canais televisivos. Abro o aparelho, e logo me salta a cara solene do repórter de Agadir. Actualmente o ilustre jornalista é o guardião da deontologia profissional. Oficia na Alta Autoridade, é porta-voz, perora com ar grave e circunspecto sobre a honra e os valores da classe. A bem dizer, é o Catão da classe. O zelador maior da moral da congregação.
Tem agora a cara rapada, pôs óculos, um tom acinzentado na cobertura capilar outrora negra. Já não é Filho, mas órfão. Mas que é o mesmo, garanto eu, que bem o tenho reconhecido.
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