O tempo que passa
A Dona Beatriz Costa era uma velhota vivaça cheia de sabedoria e bom humor. Ficou como um dito de antologia a resposta dela a quem a tentava convencer a não se exibir carregada de jóias pelo passeio em frente ao Hotel onde vivia, na Avenida da Liberdade.
Octogenária vaidosa, gostava de se mostrar, e defendia teimosamente que o que tinha não era para esconder. Arranjava a franja negra e luzidia como décadas atrás, ou o que sobrava dela, vestia umas roupas alegres que lhe davam um ar bizarro de velha muito pintada a fazer de rapariga, adornava-se com as suas queridas jóias, e passeava-se nas imediações do Tivoli.
Embora não se afastasse da frontaria do Hotel, a verdade é que o local tornava perigoso aquele exercício, já nessa altura. E quem cuidava dela preocupava-se.
- Oh tia, não pode ser, olhe que é perigoso, e além disso fica-lhe mal, até parece uma nova-rica...
O argumento saiu ao contrário:
- Oh filha, antes nova rica que velha pobre!!
Perante tão profunda sentença, não há senão que calar.
Já antes Beatriz Costa tinha notabilizado o seu envelhecimento com a publicação de uns livros de memórias, de saborosa evocação da sua vida e do seu tempo.
Um deles tem o título "Quando os Vascos eram Santanas", e lembro-me desse título muitas vezes ao observar o arrepiante fenómeno da decadência do pessoal político (já aqui foquei essa queda assustadora).
Evidentemente a autora não fez um ensaio de ciência política, quer simplesmente aludir à época dourada da sua juventude em que o meio teatral e cinematográfico português era dominado por nomes como o de Vasco Santana, e brinca com o espectáculo de mediocridade então em cena no país, em que surgiam como actores de primeiro plano a figura desgrenhada e demente do "General" Vasco Gonçalves e o perfil pançudo e bronco, lembrando um mexicano sem poncho, do "General" Vasco Lourenço.
Olhando a gente a cena política de hoje não há como consolar-se. O declínio é a constante, e não se descortina onde irá deter-se.
Qual o motivo verdadeiro porque o actual Santana tem (e acreditem que tem) efectivas hipóteses de se manter no poder, ganhando o congresso do seu partido e depois as eleições legislativas? - Simples, procurem à volta e vejam o que há. O José Sócrates? - Bem podem trabalhar os assessores de imagem, o que é chumbo não se transmuta em ouro.
Qual a razão porque Bush vai provavelmente ganhar as eleições americanas? - É evidente, se olharem bem para Kerry...
Esta é a norma, e parece universalizar-se. Pense-se no respeito que em França poderá inspirar um presidente que foi eleito pela esquerda aos berros de "plutot un escroc qu'un facho", depois de uma longa campanha em que o crismou de "supermenteur"...
E no entanto o homem que foi eleito por não ser facho embora dando-se como assente que é um ladrão e supermentiroso, pavoneia-se por esse mundo fora como se gozasse da consideração e confiança dos seus concidadãos.
Eu não sei para onde marcha a História, ao contrário dos devotos de Marx, que acreditavam em leis inelutáveis que nos levavam para uns amanhãs que até cantavam, ou dos mais recentes partidários de Fukuyama, que também se convenceu que descobriu o destino final, num oceano pacífico de prosperidade capitalista e democracia liberal a rodos, da Papuásia ao Liechstenstein.
Não sei, mas não consigo ficar tranquilo. Quando vemos o nível da água a baixar a toda a volta, não é o navio que está a subir; deve estar é encalhado.
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