Chuva de domingo
Nesta manhã, como já se viu, estive entretido a remexer memórias. De gente passada, dos ecos e dos lugares das suas vidas. Lembrei Elvas, de António Sardinha, de Tomás Pires, Torres de Carvalho, Picão Telo, Santa Clara - e de Afonso Costa preso no Forte da Graça.
Lembrei-os nos escritos de Azinhal Abelho, o estalajadeiro de Santa Luzia, o poeta da Orada, e também, com Orlando Vitorino, o homem do Teatro de Arte de Lisboa ou das incursões no cinema ("O Alentejo Não Tem Sombra" chegou a receber o Prémio Paz dos Reis).
Sinto que, tirando eu, estas minudências não interessarão a mais do que três ou quatro. Não é blogação, é arqueologia. Seja. Por detrás de um blogue tem que haver alguém; este é o meu. Com fixações e obsessões, gostos e desgostos, sou eu.
Não é que a actualidade não me mantenha curioso, não é que não goste das pessoas (os vivos). Na verdade gosto (desejo que sejam todos muito felizes) e estou sempre curioso do que se passa à minha volta. Mas não encontro aí lume que aqueça. As gentes de agora parecem-me bem pouco interessantes. E os tempos cinzentos e baços.
Como este domingo, o primeiro deste ano em que vejo o Inverno assentar e ficar. Aqui em Évora o dia nasceu chuvoso e triste. O silêncio pesado do céu de chumbo e a chuvinha persistente e teimosa encheram-me a alma, até ao osso. Na rua os enormes plátanos largaram à pressa os mantos de folhas amarelecidas, lembrados de súbito do Inverno. Elas amontoam-se por aí, enchendo tudo, lixo inútil do que foi fresco e palpitante. Eles encolhem-se, enregelados, nus e hirtos, a aguardar que um Sol distante venha um dia trazer-lhes de volta a luz e a vida.
E está frio. O frio que sinto só eu sinto.
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