domingo, dezembro 19, 2004

O SENTIMENTO PATRIÓTICO NA POESIA DE ANTÓNIO SARDINHA

(Ao Dr. José Pequito Rebelo, outro Cavaleiro do Ideal)

Cinquenta e quatro anos vão decorridos sobre a inesperada e tão sentida morte de António Sardinha, ocorrida na Quinta do Bispo, em Elvas, a 10 de Janeiro de 1925.
E quanto mais os anos vão passando mais se agiganta a figura desse intrépido lutador pela causa sagrada da Pátria, a que dedicou todo o seu entusiasmo, todo o seu sacrifício, toda a sua devoção de português, que o era de verdade.
Vivia-se também nessa altura uma hora incerta para a Nacionalidade. António Sardinha, juntando à sua volta um grupo de jovens desiludidos da partidocracia que então campeava num desprestígio que nos ridicularizava aos olhos do mundo, lançou as bases da contra-revolução em que assentou o movimento que ficou a ser conhecido por Integralismo Lusitano.
Duma fogosidade extraordinária, quer através dos seus numerosos ensaios, quer no dia a dia das campanhas jornalísticas de "A Monarquia", dotado de uma simpatia aliciante que fazia convergir para ele a dedicação, a estima e a camaradagem dos seus amigos e dos seus condiscípulos, António Sardinha marcou uma época e marcou uma geração: — a Geração do Resgate.
Sucumbiu nesse combate ardente e destemido contando apenas 37 anos de idade, pois nascera em Monforte do Alentejo a 9 de Setembro de 1887. Mas legou-nos a todos um alto exemplo de perseverança e uma obra notável, quer na qualidade como na quantidade, tendo em conta a sua morte prematura, quando tanto havia ainda a esperar do seu talento, e tendo em mente a organização e a publicação de uma História de Portugal expurgada das mentiras e calúnias que, como nódoa indecorosa, nela haviam lançado a Maçonaria e o Liberalismo.
A geração desse tempo era patriota e sentia a necessidade de remar contra a maré de torpezas que invadia a nossa Pátria e a que se tornava imperioso pôr um dique. A voz de António Sardinha erguia-se então vibrante e eloquente a saudar os novos batalhadores e a conduzi-los ao bom combate.
Poeta distinto que também o era, abriu, através dos seus versos, caminhos novos e novas clareiras à gente moça.
Temos exemplos flagrantes nesse livro delicioso que é a "Pequena Casa Lusitana", em cujo intróito confessa António Sardinha:

Cruzado sou. Envergo uma couraça,
Jurei meus votos num missal aberto.
— eu me persigno em nome do Encoberto.

Alto, bem alto, quando a lua passa,
a lua me dirá se o avisto perto.
Eu me persigno — ou seja noite baça,
ou rompa o dia, com o sol desperto.

Meu S. Cristóvão, de menino ao ombro,
ó Portugal, — eu me comovo e assombro —
nas tuas mãos ergueste o mundo inteiro.

Entrei por ti na religião da Esperança,
Pois na alvorada que de além avança,
vem tu vestir-me o arnez de cavaleiro!


Vestindo o arnez de cavaleiro do Ideal, António Sardinha bem cumpriu o juramento feito. Vejamos agora este soneto a «Viriato»:

Deus fez a Terra. E a Terra fez a Raça,
Da Raça e mais da Terra tu vieste.
(O barro anónimo incarnou por graça
e a treva encheu-se dum clarão celeste!)

P`ra trás de ti há só a névoa baça,
há só a argila que o teu corpo veste,
parente das raízes, em quem passa
toda a rijeza duma noite agreste!

Porque és ajuda e segurança antiga,
pode bem ser que a tua voz consiga
guardar dos lobos o revolto gado...

Erguido sobre os longes pardacentos,
ó filho das levadas e dos ventos,
acode ao teu rebanho tresmalhado!


António Sardinha arrecada dentro de si sentidos estéticos de um alerta que empolga as almas moças preparando-se para reaportugalizarem Portugal, como se extrai desta «Manhã de Ourique»:

Manhã de Ourique. No escampado imenso
a madrugada avança com ternura.
Ei-la a romper como se fosse um lenço,
nas mãos de Deus abrindo a sua alvura.

Depôs Afonso a espada. Um ar de incenso
subiu, subiu, até ganhar a altura.
E assim a Terra, com Jesus suspenso,
lembra uma cena antiga da Escritura.

Caiu depois a excomunhão na Raça.
Quando a manhã desponta é sempre baça
não tem a luz dessa manhã de Ourique!

Voltemos à raiz! E em chão lavrado,
sobre o que houver de Portugal passado,
que Portugal de novo se edifique!


«Que Portugal de novo se edifique» - é a sua ânsia de português que vive as agruras da Pátria que ele procura encaminhar para novos destinos. Por isso, no soneto «O Romanceiro» uma réstea de esperança desponta:

Sempre que um vento mau nos ameaça,
genealogia lírica da Raça,
procuro ouvir-te inspiradoramente!


Santo António, o santo português, também é motivo na poesia doce do poeta:

Martelo de herejes, volta à vida!
que a tua língua resplandeça ardente,
p`ra bem de tanta alma empedernida.

Lá donde estás, António, não nos deixes!
Se os homens te esqueceram negramente,
lembra-te, Santo, que ainda tens os peixes!


Também o Grande Condestável Nun`Álvares tocou o coração patriota de António Sardinha, que lhe roga:

Tens o poder da tua espada forte,
tens o poder das tuas mãos erguidas,
— Herói e Santo, vem valer aos teus!

Alto, mais alto que o pavor da morte,
se a tua espada guarda as nossas vidas,
as tuas mãos pedem por nós a Deus!


«A Grey» lembra Alberto Sampaio, pois como ele refere em as «vilas» do «Norte de Portugal», também nos versos de António Sardinha:

Casaram-se os arados com as redes.
O Rey, por entre o povo, é como vêdes
um português com outros a tratar.

Pintor da Grey, eis tudo o que tu pintas!
Nuno Gonçalves, vá, prepara as tintas,
— ó, prepara as tintas, vem daí pintar!

«Pola ley e pola Grey». O Pelicano sangrando simboliza o Integralismo que o poeta ergueu com entusiasmo e como protesto:

Ó Pelicano, ensanguentado e forte,
que bom será sofrer contigo a morte
e nos teus braços encontrar a cruz!


E Camilo? Hoje, como então:

Foste bem nosso, foste bem castiço!
Na tua pena havia arrojo e viço,
foi bem da raça o teu ardor plebeu!

Hoje nem temos gritos na garganta.
Por isso Portugal se não levanta,
por isso a nossa terra adormeceu!


Está «Portugal Crucificado»:

Crucificado sobre um alto cerro,
com moiros a jogar-lhe a roupa aos dados,
eis Portugal pagando o antigo erro,
eis Portugal penando os seus pecados.

Insultam-no de baixo com aferro
esses a quem o insulto fez medrados.
Hora de expiação. Um ar de enterro
tingiu de treva os longes carregados.

E exclama Portugal: — «Senhor! Senhor!
A mim, alcaide-mor da Cristandade,
assim me abandonaste na agonia!»


Aqui temos estado, através de versos seus, a lembrar a acção patriótica de António Sardinha, há cinquenta e quatro anos falecido em Elvas, deixando mergulhados na dor e na amargura os seus dedicados companheiros dessa outra hora incerta e negra.
Hoje, nesta hora mais incerta e mais negra, nesta quase agonia da Pátria, sentimos ressoar aos nossos ouvidos a sua vibrante «Exortação»:

...A pé e às armas, nesta hora baça,
que vai romper outra manhã de Ourique!


Assim seja!

Manuel Alves de Oliveira
(In «Resistência», n.º 188, Fevereiro de 1979)