CARTA DO CANADÁ, de Fernanda Leitão
LASTIMOSA CEGUEIRA
Sim, lastimosa cegueira e perigoso rebaixamento, este que levou Santana Lopes e Francisco Louçã, um que se julga de direita e outro que acredita ser de esquerda, a deitarem mão de argumentos de alcova por evidente falta de competência política e do (ao que parece) moribundo cavalheirismo lusitano nas hostes eleitorais.
Disse Louçã a Portas, perante todo o país através da TV, em ar de grande desprezo, que o solteiro não podia discutir o aborto por não saber o que é fazer um filho e conhecer-lhe o sorriso. Que lástima de argumento! E que cegueira a de Louçã ao não perceber que o país inteiro está cansado de ver que a esquerda radical faz do grave problema do aborto uma arma de arremesso eleitoral, e nada mais do que isso. Do mesmo modo, certa direita radical só chama a terreiro o crime de Camarate, em que perderam a vida Francisco Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e seus acompanhantes, quando entra em derrapagem, esquecida que era poder quando o crime ocorreu e nada fez para que a investigação fosse em profundidade, doesse a quem doesse.
Afirmou Santana Lopes, no meio de mil mulheres, que é contra os “casamentos homossexuais”, desafiando, em tom reguila de galã de Alcântara, os outros candidatos a dizerem o mesmo, ao mesmo tempo que deitava olhos compridos às senhoras presentes e pedia colinho. Esquecido que o povo, formado pela moral católica, rejeita por igual esse arremedo de “casamento” e também aqueles sujeitos que exibem vários divórcios, filhos de várias mães, a infidelidade conjugal como regra, a promiscuidade de várias ligações publicitadas pela chamada imprensa cor de rosa, e a imagem do femeeiro, na linguagem queiroziana, ou a do burro da Quinta da Cardiga, para usarmos os castiços falares ribatejanos.
Pelo meio, milícias de imbecis andaram a espalhar alterações nos cartazes dos partidos, com soezes conotações sexuais, que logo outros divulgaram, o que dá bem a imagem terceiromundista de tudo isso.
É a completa baixaria, a mais ordinária peixeirada que as eleições em Portugal já mostraram. Nada que eu não tivesse previsto, há poucas semanas, quando escrevi sobre o tradicional respeito e pudor com que os jornalistas da Europa não anglo-saxónica tratam a vida privada das figuras públicas. Porque, disse então, essa baixaria é tradicional, sim, entre jornalistas anglo-saxónicos, com os Estados Unidos à cabeça, de pronto imitados pelos brasileiros que melhor fariam em copiar a administração inglesa. Em países civilizados, às figuras públicas pedem-se contas da sua actuação pública ou, se for o caso limite, do mau uso de dinheiros públicos com a sua vida privada.
Como se fosse pouco, a esta lástima se junta o incomparável ridículo de Paulo Portas a gritar que vêm lá os comunistas... É espantoso como o Malraux da Moderna, segundo recente nomeação de Nobre Guedes, não percebeu que estava a causar o riso geral ao dar largas ao seu pânico, sem contenção nem bom senso.
Tudo isto me faz lembrar um grupo de cachopos, malcriados, bardinas, que os pais deixaram a tomar conta da casa no fim de semana e, depois de muita asneirada, começam a tremer olhando os ponteiros do relógio.
Não estou pessimista. Pelo contrário, acho que esta foi uma grande vacina. Há partidos que vão ter de meter obras de alto a baixo e fazer uma salutar travessia do deserto, enquanto outros têm de meter travão às quatro rodas para evitarem caír no mesmo. A ser assim, é Portugal quem fica a ganhar.
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