segunda-feira, janeiro 31, 2005

Crónicas do tempo dos santanas

A reunião
O Regedor, embezerrado, a cara congestionada e mais vermelhuda do que a trunfa cor de cenoura, gemia e gesticulava no topo da mesa:
- Oh pá! Isto está a ficar embrulhado pá! Não se pode ser prior nesta freguesia pá! Não me digam que isto não vai dar nada pá!
Do lado direito da mesa, sentado com o seu eterno ar de menino gordo-que-é-o-melhor-da-turma, o Aspirante tentava concentrar as atenções:
- Não dá nada, não é bem assim… Olhem, eu já estou a ser vítima de uma violenta e descabida agressão…
Ao mesmo tempo o jovem Eleito esganiçava-se desafiador para um magote de jornalistas:
- O que interessa é destacar que temos de optar entre a mudança e a continuidade… o que importa é realçar que temos de optar entre a mudança e a continuidade… o mais relevante é sublinhar que temos de optar entre a mudança e a continuidade…
O Regedor quase explodia:
- Calem o gajo pá! Nem com mais seis meses de ensaios! Olhem, ao menos deixem falar o Pequenino…
E logo um anãozinho de ar vivaço e sorridente ocupou a tribuna, usando um estrado que os Assessores encontraram à pressa esquecido nos bastidores.
- Amanhem-se por cá, que a mim ninguém mais me apanha aqui, eu de Bruxelas ninguém me tira, as novas fronteiras…
O Regedor estava apopléctico:
- Irra! Mas este também não tem noção do que diz?
A outro canto da sala um Beato de olhar severo e reprovador declamava em tom solene:
- A experiência é a madre de todas as cousas… Desmanchos? Não tendes o direito de falar, pois se os não fizestes…. Homossexualidade? Como podeis opinar, se não experimentastes… Calai-vos, pois, ó gente ignara!
(Um empertigado mascarado de gentleman inglês engolia em seco e mordia o lábio).
O Regedor olhava em desespero para os papéis espalhados pela mesa, os rostos obtusos dispostos em volta, os trajes amontoados pela sala, os figurantes esforçando a pose por todo o espaço em roda.
- Arre! Não pode ser! Ou a troupe afina ou não há Carnaval este ano!