"Em toda a parte ao mesmo tempo"
A conversa ia animada e profunda. Ultrapassadas as trivialidades, começavam a partilhar o que "vai mesmo dentro". Até que toca um telemóvel. Na atrapalhação entre atender ou desligar venceu a urgência da mensagem que vinha de fora. Como voltar agora à intimidade alcançada? No momento da elevação do cálice na missa, no silêncio que é já uma comunhão, rompe em acordes polifónicos estridentes uma chamada urgente para alguém. Rebuscam-se bolsos, corre-se apressado para a porta, ou chega-se ao cúmulo de responder: "Está lá? Agora não posso que estou na missa!"
São inúmeras as possibilidades comunicativas das novas tecnologias. O telemóvel e a internet vieram encurtar distâncias, estabelecer novas redes de comunicação, pôr o mundo inteiro à distância de um "click". Como dizia Artur Santos Silva, presidente do 14º Congresso das Comunicações, "é um processo de comunicação fascinante que nos permite estar em toda a parte ao mesmo tempo como se fôssemos Deus". "Estar em toda a parte ao mesmo tempo" talvez defina esta ligação tão profunda com o telemóvel. Como se não existíssemos quando alguém nos quer contactar e o desligámos ou esquecemos em casa! Mas ele é também, cada vez mais, um objecto de luxo, uma afirmação de um nível de vida (real ou aparente), que contrasta com a crise real que vivemos.
É verdade que a comunicação é já princípio de comunhão. Mas importa também saber o que comunicamos. Que sumo se extrai desta abundância de palavras e imagens, trocadas à velocidade de "bites" e "megas"? Que espaço existe para o silêncio que permite o pensar, aí onde germina a palavra justa, capaz de criar algo novo? E como distanciar essa palavra do contacto humano, em que um só abraço revela mais do que mil imagens?
"Podem os amantes prescindir dos beijos, dos cheiros, dos sabores, das carícias, dos seus abraços?", pergunta Alfredo Moreno, sociólogo. E responde: "Claro que sim! Pelo menos temporariamente, enquanto o prazer do discurso lhes revelar os encantos da demora; enquanto a busca for o motor dos seus desejos." Mas poderá a vida ser só busca e não encontro? Faltam-me sempre os olhos e os gestos que nenhum olho fotográfico pode colmatar. Por isso recuso a dependência ou o controle que o telemóvel traz consigo. Uso-o mas procuro não deixar que ele me use a mim.
O dom da ubiquidade ("estar em toda a parte ao mesmo tempo") não é muito para nós. Quase sempre acabamos por não estar em parte nenhuma. A unificação interior de alma e coração, corpo e pensamento, é o lugar onde encontramos Deus e nos revelamos a quem amamos. E não tenhamos medo, Deus não vai mandar um SMS a dizer quando vai ser o fim do mundo!
P. Vítor Gonçalves
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