domingo, janeiro 23, 2005

Notícias do bloqueio

Comentando o fútil exercício a que se dedicaram segunda à noite na RTP uns figurões que a si mesmos se acham os pais da Pátria (no que são acompanhados por uma nutrida multidão de tontos) escreveu Pacheco Pereira o seguinte:
"Por que é que o que disseram os "senadores" me pareceu inútil? Porque nem num momento só emergiu a identificação de qualquer dos obstáculos reais à mudança em Portugal. Ora, não há reformas sem identificar os interesses que as impedem e apontar os meios de os combater. Ponto. Todos eles têm razão: temos problemas de coesão social (Soares), as mudanças identitárias do país no mundo não são percebidas pela população nem pelos políticos (Moreira), o Estado funciona mal e é um obstáculo à produtividade (Cadilhe), os partidos políticos são medíocres (todos), estes entendem-se no que não deviam entender-se e no que deviam agridem-se (Balsemão), etc., etc. Tudo isto sabemos bem e são hoje lugares-comuns. Por que razão é que nada é feito e parece que não temos instrumentos, nem vontade para o fazer? Por que razão há tanto sentimento de impotência que nem os melhores sequer tentam? Por que é que tudo parece sólido betão, resistindo a todas as tentativas de mudança, engolindo as veleidades reformadoras, engendrando uma mediocridade que lhes é salvífica? Porque há poderes e interesses poderosos, identificáveis, nomeáveis, com cabeças individuais e institucionais, e eles estão firmes que nem uma rocha e mandam em Portugal. Existem nos sindicatos, nas fundações, nos partidos, na comunicação social, nas associações empresariais, nas fundações, nos grandes grupos económicos, nas ordens profissionais, nos grandes escritórios de advogados, nos clubes de futebol, nas autarquias, na "cultura" organizada. É normal que seja assim em democracia, o que não é normal é que seja tão difícil exercer a autoridade democrática contra eles, ou para além deles, quando é necessário pelo bem comum.
É que isto não vai com pactos, porque se fosse já tinha ido. O sistema político é suficientemente racional para que se fosse possível, numa mesa de negociações, unir PS e PSD para diminuir as despesas de saúde, ou de segurança social, ou modernizar a administração pública - as diferenças ideológicas, que já são pequenas, não impediriam um acordo em cinco minutos. O problema é que por detrás de todos os "problemas" estão interesses de todo o tipo, a começar pelos interesses económicos poderosos e a acabar pelos "interesses" da pobreza, do remedeio, da baixa qualificação, do mundo protegido da competição, da preguiça, da apatia, típico das sociedades excessivamente dependentes do Estado e do subsídio - se sobrevivo assim, mais ou menos, porquê arriscar um mundo que me pode ser mais hostil? Os partidos políticos estão mergulhados nestes interesses, a montante e a jusante, e, frágeis como são, precisam de "comprar" eleitorado com a promessa de que nada muda na mediocridade.

Concordo com o diagnóstico. Não vejo como seja possível qualquer reforma que parta dos que dependem precisamente dos "poderes e interesses" que se opõem e oporão a qualquer mudança. Confesso que na minha visão do poblema o Dr. José Pacheco Pereira também é estrela dessa constelação, mas essa é outra conversa.