BILHETE PARA O CLARK
(ou uma boleia de recurso, porque o Manuel Azinhal é bom rapaz e a caixinha não dá para grandes conversas...)
Aqui estou, caro Clark, disponível para lhe dizer como pode votar no Canadá - esse país um bocado a norte do Porto, tão grande que, quando se deita e espreguiça, bate com a cabeça no Polo.
Comece por ir à embaixada do Canadá, em Lisboa, perguntar como pode emigrar - se como empresário, se como simples trabalhador. Escolhida a modalidade, inicia todo o processo burocrático. Dali a um ano, mais coisa, menos coisa, faz as malas, apanha um avião e vem. Recomendo-lhe a SATA, passe a publicidade, porque é voo directo e bem mais cómodo do que a AIR TRANSAT.
Trate de vir na Primavera ou no Verão. É que, se vem no Inverno, desiste da aventura logo no aeroporto. Que o Inverno aqui, além de longo, é duro de aleijar.
Cumpridas as fomalidades com a Polícia de Imigração no aeroporto, dirige-se ao centro de Toronto. Aloja-se provisoriamente, como qualquer emigrante, em casa de parentes, amigos ou conterrâneos, até alugar um apartamento. A renda inclui a água, a luz e o cabo de TV. Para ter telefone basta ir a uma das lojas da Bell Canada, em qualquer centro comercial: escolhe o aparelho que lhe convém, compra-o, faz contrato com a companhia e leva o seu telefone num bonito saco. Como pelo caminho tem outras coisas a fazer e vai tomar café, quando chegar a casa, a ligação está feita. É só meter a ficha na parede. As chamadas na área da Grande Toronto, que é uma área muito vasta, são gratuitas e pode estar horas ao telefone. De resto, aprenderá depressa que pode resolver 80% dos seus assuntos pelo telefone, com facilidade, incluindo conferências profissionais e de negócios, nacionais ou internacionais. Perceberá, rapidamente, que o Canadá cultiva a comunicação falada e escrita, numa palavra, a informação. Para as chamadas internacionais, porque isso da saudade é mesmo verdade, aperta mesmo, também depressa entra no esquema do mais económico: compra um cartão de 10 dólares na tacabaria da esquina e isso dá-lhe 8 horas de conversa. Havemos de convir que é muita conversa...
Se pretende mobilar o apartamento (obrigatoriamente todos os apartamentos têm fogão, frigorífico e alarme de incêndios, e são já bastantes os que têm máquina de lavar e secar roupa), tem três opções segundo as suas disponibilidades financeiras: compra com o cartão de crédito, compra em 2ª mão na popular Queen Street West ou aluga (e nesta modalidade, aluga tudo, até TV, até HIFI, até computador, até quadros...).
Está prontinho para trabalhar. Goste, não goste, às 8:30 tem de estar no seu posto de trabalho, se for um escritório (num trabalho braçal tem de estar operacional às 8 horas. Como as distâncias são enormes, isso quer dizer que se levanta às 6 horas ou menos. Tem um breake por volta das 10 horas, e toma o seu café (não, não é a bica, é o chamado café canadiano que, para o nosso gosto latino, é uma água de castanhas...). Tem uma hora para almoçar ou menos ainda, e por isso aprende a levar o seu almoço canadiano num saco de papel (pode comprá-lo em qualquer café): uma sanduíche e uma peça de fruta. Isto fará com que se habitue a tomar um pequeno almoço canadiano, que é copioso - ovos, bacon, cereal, leite, sumo, torradas. Sai do trabalho pelas 17 horas, vai para casa, toma um banho, janta, abre o correio, vê um pouco de TV e faz óó cedinho que amanhã é outro dia de batente. E que batente! Como exigem estas empresas canadianas!
Se decide fazer um curso extra, tem de roubar ao seu repouso. Mas à sexta-feira, que festa, sai do trabalho e começa com amigos o seu fim de semana no pub da sua preferência. As opções para fim de semana são tantas que é difícil escolher.
Se no fim de semana lhe derem as saudades do cozido à portuguesa, da feijoada às transmontana, da caldeirada à fragateira, da cataplana algarvia, não há problema. Tem um grande número de restaurantes portugueses. E se gostar de cozinhar, por gosto pessoal e para receber amigos, vai à comunidade portuguesa e compra todos os pertences no chamado "mercado da saudade".
Se algum dia chegar ao trabalhar e souber que está despedido, mesmo depois de estar ao serviço há 10 anos ou 20, não dramatize.
Fica logo com o subsídio de desemprego (60% do ordenado), pede uma entrevista ao conselheiro de Emprego e faz uma reciclagem apropriada ao seu caso, de modo a garantir o seu retorno rápido ao mercado de trabalho.
Se lhe passar pela cabeça meter-se a fundo na comunidade portuguesa, à frente dum clube ou assim, tome uma chuveirada bem fria a ver se passa. Os portugueses não são ingovernáveis só em Portugal, também o são cá fora... Mas fazem umas festas giras, castiças, a que de vez em quando pode ir para desenjoar de tanto concerto, tanta ópera, tanto ballet, tanto teatro, tanto cinema... Tanta TV com 120 canais...
Se precisar de algum documento ou outro serviço do consulado de Portugal, entregue a tarefa a uma agência de viagens. Vale bem o que se paga mais, porque não tem de perder dias com a estúpida burocracia portuguesa, nem de aturar as, por vezes, trombas e má criações de certos meninos e meninas que ali trabalham.
Três anos depois de ter entrado no país como emigrante, requer a sua cidadania. Dão-lhe um livro para estudar o Canadá (geografia, recursos, política, administração). Um ano depois, mais ou menos, é convocado para a prova escrita e oral. E paga. Dizem-me que está caro. Eu paguei 50 dólares, sou uma canadiana de 50 dólares como costumo dizer aos meus amigos canadianos e eles tombam de rir... Passado no exame, dali a um mês ou dois é chamado a fazer o juramento - de mão na Bíblia, perante um Juiz, ladeado por oficiais da Real Polícia Montada, jura ser fiel ao Canadá e respeitar a Raínha Isabel II e seus descendentes (neste passo trate de pensar no Príncipe William e fica mais descansado). É uma cerimónia linda e sempre comovente. Nesse momento, acompanhando mais 100 ou 200 candidatos à cidadania, sentirá como é extraordinário pertencer a um país que é feito por si, por chineses, coreanos, japoneses, africanos, europeus, australianos, sul americanos, um país que mantém todo este mosaico multicultural em paz, sem problemas, porque impõe o cimento do respeito, da ordem, da tolerância e da boa educação. Quem pisar estes valores a pés, tem de responder perante a lei - que é igual para todos. Compreendo que esta democracia possa parecer esquisita lida aí, mas é o que por cá temos...
Se ficar doente, não tem médicos privados nem clínicas privadas. Só há Medicina estadual. Vai para a enfermaria como toda a gente, a menos que o seu caso exija o resguardo de um quarto.
Se não gostar dos políticos, pode falar à vontade, pode ir para os jornais à vontade. Mas as manifes dão pouco jeito, são uma chatice. As contas com os políticos ajustam-se nas urnas de voto. Acabadas as eleições, trabalha-se, trabalha-se muito. Os políticos, munidos do nosso voto, fazem o seu trabalho. Se o não fazem ou o fazem mal, falamos alto para o Governador Geral (representante da Soberana) ouvir. E lá se resolve o caso com novas eleições. Passa a habituar-se a ver ministros a responder a perguntas de polícias e juízes. A princípio as campanhas eleitorais podem parecer-lhe insonsas e sem graça, nem um insulto, nem um palavrão, nem uma insinuação torpe, nem uma canelada. Depois habitua-se e passa a ficar admirado com outras campanhas... Como vê, caro Clark, votar no Canadá é fácil. So, up to you.
Fernanda Leitão
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