Homenagem a Couto Viana
O escritor, actor, encenador, figurinista, contista, dramaturgo, ensaísta e poeta - sobretudo Poeta - António Manuel Couto Viana vai hoje ser homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores.
Não fora o meu exílio e lá estaria caído. A Sociedade Portuguesa de Autores a prestar homenagens a Couto Viana?
De quem será a responsabilidade? Com a anterior direcção nunca tal teria sido possível... O grande dramaturgo Luís Francisco Rebello, lembrado do tanto que trabalhou com Couto Viana no Teatro da Mocidade Portuguesa, certamente que não o queria lá - perigavam-lhe os pergaminhos anti-fascistas...
Mas quem, da actual direcção? Cheira-me que o elemento decisivo será Urbano Tavares Rodrigues, que não pertence à dita mas tem influências.
O Urbano, pois claro. Um comuna dos antigos, mas um comuna atípico. Recordo-me divertido da minha amizade com Jorge Tavares Rodrigues, e das longas conversas sobre tudo e sobre nada. Dizia o Jorge, com um sorriso irónico a brincar-lhe, quando falava do irmão: oh doutor, sabe, o Urbano é comuna mas é de muito boas famílias...
Eu ria-me com vontade, mas percebia perfeitamente o que ele queria dizer. Conhecia o Urbano da Faculdade de Letras, e realmente era assim: um comuna letrado e bem educado. E com rasgos de cavalheiro, num estilo muito próprio da família, como se notava no Jorge, ou se nota no Fernando... ou mesmo no Miguel, apesar de este ser um comuna muito mais "funcionarizado" pelo partido.
Sessão de homenagem a Couto Viana! Quem estará lá? O actor-advogado-presidente do sindicato-professor do Tonecas e leitor das mensagens de Cunhal - Dr. Morais e Castro - também estará presente a evocar o Teatro da Mocidade Portuguesa, onde fez tantos anos da sua carreira sob a direcção de Couto Viana? Não creio, deve ter vergonha de certa passagem ligada à história da TV revolucionária, quando em parceria com Francisco Mata decidiu assumir com realismo o papel de chantagista para assegurar a Couto Viana um lugar no desemprego.
O Francisco Nicholson também irá? Esse deve lembrar-se do tempo em que atirava bombinhas de mau cheiro na plateia do Politeama para impedir a representação da companhia de Maria Della Costa, que tentava apresentar Brecht pela primeira vez em Portugal (foi um sucesso, a polícia "fascista" lá o levou detido como agitador, mas o orgulhoso grupo de fascistas (sem aspas) em que ele militava conseguiu o objectivo).
E o Otelo? Será que ainda se lembra do tempo em que se estreou como protagonista, fazendo o Soldado, na peça de Couto Viana que o Teatro da Mocidade levou à cena nesse ano? (Deve ter sido a única ocasião em que Otelo representou um Soldado garboso e orgulhoso). E o Vítor Constâncio, será que se lembra do tempo em que representou o Jim, na "Ilha do Tesouro" dirigida por Couto Viana?
Tantos, tantos que poderiam estar ali a falar de Couto Viana... Sei bem que falta já quem ele gostaria que lhe traçasse o retrato: o David, evidentemente, a quem ele queria e considerava mais de entre todos os da sua geração.
David Mourão-Ferreira teria assumido com gosto e com brio essa tarefa de recordador das memórias de meio século da poesia portuguesa, em que Couto Viana figura como nome maior. Quis o destino que morresse cedo, quando tanto havia ainda a esperar do seu talento.
E o António Manuel lá continua, agora na "Casa do Artista" (a doença e a idade obrigaram-no a deixar a Marquês de Tomar). Dizem as crónicas e mostra a verdade que continua activo e produtivo. Que Deus o conserve assim ainda por muito tempo.
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