domingo, fevereiro 27, 2005

Umas reflexões sobre autárquicas

Os resultados das recentes eleições legislativas, ao que me parece, não estão a ser devidamente analisados nas suas consequências e implicações.
Desde logo, não tem sido realçada a grande proximidade das eleições autárquicas (e logo a seguir das eleições presidenciais) e o modo como as movimentações políticas do presente estão em estreita ligação com essa dupla proximidade (dos resultados das últimas e do avizinhar das seguintes).
Quero eu dizer, por exemplo, que não se compreendem as dificuldades do PSD e do CDS na recomposição das suas direcções sem lembrarmos os resultados obtidos nas legislativas e o condicionamento que isso introduziu nas autárquicas.
Na verdade, quem é que está disposto a assumir uma função de líder transitório, como ainda anteontem um deputado do PSD me dizia que seria sempre o próximo?
Quem se candidata sabe bem que haverá a tendência para lhe pedirem contas pelos resultados das autárquicas, sendo certo que esses resultados, por força da excessiva proximidade, estão fortemente condicionados pelas legislativas.
Normalmente, trata-se de eleições diferentes, com resultados diferentes. Por vezes até acontece que as autárquicas são a ocasião de desforra para quem perdeu as legislativas, porque os eleitores também querem aproveitar para enviar os seus avisos e recados a quem governa.
Mas agora as legislativas ocorreram tão em cima das autárquicas que se seguem que praticamente não é possível verificar-se esse fenómeno do sancionamento do meio-mandato. Só por uma barracada extraordinária do novo governo PS poderia já então haver descontentamentos e desejos de revolta em relação a ele em tão curto espaço de tempo.
Nesta situação é mais provável que funcione um efeito de conservação que se sabe que também existe no voto: o eleitor que votou agora PS ainda não encontrará motivos para mudar o seu voto. É natural que o mantenha.
Assim sendo, percebe-se o problema: quem tomar conta do PSD e do CDS vai andar aflito durante estes meses a bater a todas as portas para suplicar a todos e a cada um que aceite ser candidato às autárquicas. E ninguém vai querer, porque as perspectivas são de derrota. Todavia, no dia seguinte as contas serão pedidas aos novos dirigentes partidários. Quem se quer meter neste sarilho?
É um facto: a marcação das legislativas acabou por traduzir-se num condicionamento extremamente pesado para as autárquicas, e por essa via limitar muito as possibilidades de reacção de quem perdeu as primeiras.
E neste ponto queria chamar a atenção para algo que também não tem sido suficientemente sublinhado: os resultados do PCP não foram nada animadores para o partido, ao contrário do que se tem dito por força de uma visão superficial da realidade. Com efeito, o bom número global de votos obtido e os dois deputados a mais disfarçam uma situação deveras alarmante. O PCP continuou a sofrer uma hemorragia de votantes nos locais onde não podia perder mais.
Eu explico: a grande força actual do PCP, como partido institucional, está nas autarquias. Nas dezenas de autarquias onde é maioritário. Ora examinando os resultados das legislativas chegamos à conclusão que se os mesmos se repetissem para as autarquias o PCP ficaria com uma única Câmara: a de Avis.
De resto perderia todas as que actualmente detém. Há casos espantosos, de municípios onde o PCP tem a presidência e nunca deixou de a ter em trinta anos e agora alcançou um terço dos votos necessários para manter essa posição.
Coseguirá neste pequeno lapso de tempo inverter esse panorama (nalguns casos passar de 16 % dos votos para recuperar a maioria)? Não creio que seja provável.
Evidentemente que as eleições são diferentes, e o PCP não ficará reduzido a uma única Câmara no país. Mas também me parece inevitável que as autárquicas tragam um desastre para o PCP, existindo condições excepcionais para assistirmos à passagem de umas dezenas de Câmaras do PCP para o PS, mudando drasticamente o mapa político das áreas que sempre foram as de maior implantação do partido. O que será um choque impossível de compensar com a alegria de ter conseguido de novo um deputado em Braga.
O Alentejo vai ser rosa.