O primeiro passo para aceitar a eutanásia?
Sob este título publicou o Prof. António Gentil Martins um recente artigo no Expresso, que reproduzo dada a indiscutida e indiscutível autoridade do seu autor e a actualidade do tema - que faz parte da agenda próxima e presente dos centros de poder que fazem a chuva e o bom tempo nas sociedades ocidentais.
Foi com surpresa que tomei conhecimento do parecer do CNECV sobre «Estado Vegetativo Persistente», do qual discordo claramente, pois o considero o primeiro passo para a aceitação da eutanásia, dita por caridade (princípio da beneficência...??).
Afirmar, no ponto 6, que «não poderão ser aplicadas soluções uniformes... impondo-se uma avaliação criteriosa em cada situação» é um, totalmente inaceitável, início de rampa deslizante.
Também não será nunca aceitável condicionar a posição ética a argumentos de natureza económica ou de inconveniência familiar ou hospitalar, mesmo sob a capa da «justiça distributiva».
O parecer afigura-se até contraditório pois não deixa de afirmar que a pessoa em estado vegetativo persistente guarda, em qualquer circunstância, a dignidade intrínseca do ser humano que é (alínea g) do parecer dado CNECV ). E afirma ainda, no ponto 2 do parecer, que «a pessoa em estado vegetativo persistente terá direito a cuidados básicos, que incluem alimentação e hidratação artificiais».
Porém, não se inibe de afirmar no ponto 5 (!) do parecer «o processo decisório... deverá envolver toda a equipa médica assim como a família mais próxima... tendo em conta a proporcionalidade dos meios que melhor se adequem ao caso concreto».
Que direito têm então os médicos ou os familiares a dispor da vida e a decidir da morte do doente? Quando, até pela própria Constituição Portuguesa, «a vida é um bem indisponível».
Considero eticamente inaceitável, em qualquer circunstância, a interrupção de tratamentos e cuidados básicos (neles se incluindo, seguramente, a alimentação, sólida e líquida - alínea d) e ponto 2 do parecer do CNECV), a qualquer ser humano que não esteja em morte cerebral.
Isto tudo lembra-me o chamado método de Lorber (pediatra de Sheffield) que sempre combatemos, e que, há 4o anos, ordenava às enfermeiras que só alimentassem os recém-nascidos mal-formados caso chorassem... com o resultado previsível!
O princípio da autonomia não pode autorizar, em nenhuma circunstância, a deixar morrer (ver alínea c) e ponto 4 do parecer do CNECV), apenas por indicação presumida ou manifestada por pessoa de confiança, mas sim e apenas por expressa decisão prévia do próprio poderá cessar a alimentação (paralelamente ao que pode suceder nos casos de greve da fome).
Embora o parecer do CNECV não seja vinculativo não deixa de ser, quando a nós, um claro e lamentável atentado à Ética Médica que, já no juramento Hipocrático (depois transcrito para a Declaração de Genebra da Associação Médica Mundial), impõe um «respeito absoluto da vida humana desde a concepção». Constitui assim um erro grave e um mau serviço prestado à pessoa humana, do qual abertamente discordamos.
António Gentil Martins
(ex‑Bastonário da Ordem dos Médicos e ex‑presidente da Associação Médica Mundial e da sua Comissão de Ética)
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