sábado, março 19, 2005

O umbigo da direita

Muito em especial para os que pensavam que um umbigo só pode estar rigorosamente ao centro, aqui têm um artigo de Nuno Rogeiro na revista "Sábado".

O umbigo da direita
Recordam alguns a Mão Direita de Deus. É verdade que, do Código da Estrada, nunca desapareceu a regra da prioridade geral à direita. E a relação entre "direita" (a facção) e "direito" (o que está certo) faz correr rios de tinta, mas não temos tempo nem competência para metafísica.
Também escasseia o espaço, e a paciência, para a memória de velharias e revisitações clássicas. Mas, de certa forma, continua aí a ser útil a distinção (essencialmente afrancesada) entre direitas "orleanistas" ou liberais, "bonapartistas" ou populistas-musculadas, "tradicionalistas" ou ultraconservadoras (com toda a falta de rigor do epíteto).
Se adicionarmos o caso específico da "direita" anglo-saxónica, e tomarmos a resolução corajosa de retirar os "fascismos" (que não foram "esquerda" nem "direita", mas uma forma diferente de contra-revolução, revolução ou pseudo-revolução, conforme os exegetas), encontramos pontos de contacto úteis para a experiência portuguesa. Essa aventura, com o seu cortejo de Miguelistas e Sidonistas, Cartistas e Marcelistas, Salazaristas e centristas, democratas-cristãos e sociais-democratas, pode até fazer-nos concluir que, por regra, as "direitas" portuguesas não são (todas) "de direita". Ou que não há uma "Direita" fora da história, imutável e solene, espécie de doutrina à espera de intérpretes, mas antes "formas locais" de interpretação de certos princípios, que há cerca de dois séculos nos permitem dizer que uns não estão "à esquerda".
Se calhar, utilizando uma boutade de uso corrente, são das "direitas" os que não podem ser outra coisa. Mas também esses precisam de se habituar aos dramas que já assolaram "esquerdas" de todo o mundo: as políticas públicas deixaram de ser "ideológicas", não faz grande sentido dividir a realidade cívica em hemisférios, não se pode esperar que partidos e tribos sejam doutrinalmente "puros", e ainda menos dogmáticos, quando se trata de arregaçar as mangas e "fazer o que há a fazer", na paz e na guerra.
Continuar a militar e a votar no PSD e PP (e nos restantes nomes do cardápio, do PND ao PNR), ingressar no "centro" (isto é, na "terceira via" do PS), cultivar o seu gerânio ideológico-cultural, em boa companhia, numa estufa fria, partir para a Serra da Estrela à procura de Lusitanos, convocar um seminário sobre o sexo dos anjos, ou até encontrar um sucessor (ou dois) para os drs. Lopes e Portas, são as opções que vejo mais referidas.
Mas é possível que as "direitas", quando deixarem de se agitar e lamber as feridas, descubram que as pessoas comuns podem interessar-se pela política de outros modos. O poder das ideias, mas sobretudo das soluções paraq os males do tempo presente, é algo que não morde. Nem faz mal descobrir.
Claro que os companheiros de caminho serão "mestiços". Os que procuram "pureza" que morram onde estão, no último quadrado, como o desmesurado General Custer.
Nuno Rogeiro