QUE PAÍS?
Na edição de hoje do semanário "O Diabo" saiu esta prosa crepuscular de António Marques Bessa. Não sou só eu que não consigo vislumbar radiosos amanhãs que cantam.
QUE PAÍS?
Ninguém merece mais do que aquilo que tem. Parece que um silêncio de chumbo caiu sobre a sociedade. Creio que a sociedade está doente das doenças já inventariadas e que as sucessivas revoluções foram incapazes de solucionar ao longo dos séculos. Os relatos do que é importante são falsificados. Os livros de leitura das escolas são para rir, a ética e a moral foram pela pia, as estruturas em que assentava a portugalidade erodiram se. Hoje resta um País de velhos a ver passar os comboios. Nem sequer se trata do homem que sabia demais.
Desoladamente, no areal pequeno, criaram se as condições para gramarmos ser pequenos em todos os sentidos. Resta uma sombra de grandeza no poder político que só nos faz mal. Mais valia pensarmos como os holandeses ou as gentes do Luxemburgo, onde milhares de portugueses sob a asa do Grão Duque fizeram aí uma segunda vida de oportunidades aqui perdidas.
O tempo é duro e a festa continua. Faz me lembrar os quadros de Brughel, onde cegos guiam cegos e a festança da abundância se vê nas danças de aldeia. Acontece que vivemos cada vez mais no asfalto: as florestas arderam, a chuva não cai, as pescas desaparecem, a agricultura é uma sombra, as indústrias deslocalizam se, os sindicatos fazem profissão de fé na estupidez convicta, o eleitorado entende que o «trotskismo» fictício de uma elite de ricaços e académicos é uma opção válida no século XXI...
O tempo vai tornar se mais duro seja o governo qual for. Nem os iluminados poderão resolver as coisas. Os problemas são muito antigos e têm raízes em séculos de imbecilidade militante, agravados com o golpe de Estado despesista do 25 de Abril. Pouco importam os hinos com trompas e tambores a determinadas datas e a certos homens. Os que estão ainda acordados no marasmo geral sabem isso de ciência certa. Os sons produzidos estão destinados a desafinar, os homens a irem para as tumbas e a História a ser reescrita.
Só há uma coisa que lamento. É não estar aqui para ver o aproximar do crepúsculo. Talvez ainda conseguíssemos, nesse tempo, bebendo um bom vinho tinto, ouvir uma marcha fúnebre de Mahler ou uma marcha de pompa e circunstância de Sir Edward Elgar.
Claro que todos lamentamos que isto se tenha transformado num lugar para presidentes de conselhos de administração, presidentes da república, ministros, secretários de Estado, directores gerais, deputados e quejanda gente da mesma tribo ou da mesma loja. É sobretudo muito mau que não tenham a mínima ideia do que é uma República coisa que os romanos já sabiam perfeitamente antes da Ditadura de César e do Império de Augusto, ou seja, antes de Cristo. Que pena: se a alma é pequena e continuarmos a chorar os mortos é porque os vivos nada fizeram para o merecer.
António Marques Bessa
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