A "refundação" da direita
Não resisto a transcrever na íntegra o artigo que Vasco Pulido Valente publicou no "Público" sob o título A "refundação" da direita.
E desta vez adianto um pouco sobre as razões da escolha: este, no meu ver, toca em algumas questões de importância capital a que é costume fugir nos debates (compreensivelmente: são desagradáveis a várias famílias).
Aqui fica, com a vénia ao "Público", o texto de VPV.
A "refundação" da direita
A derrota de 20 de Fevereiro provocou por aí uma conversa sobre a "refundação da direita". Uma vez que foi quase integralmente demolida, é natural que a direita se queira refundar. Mas como? Em democracia, a direita portuguesa tem uma espécie de pecado original: o "salazarismo" continua a ser a sua única tradição autêntica. Antes do "salazarismo" não se reconhece verdadeiramente em nada e depois também não. O próprio Salazar se apresentou como um fenómeno sem exemplo e aboliu o século XIX da história do país. Para ele, o Portugal transviado e perdido do parlamento e dos partidos não existia e não podia, portanto, legar qualquer inspiração ou precedente ao recomeço absoluto do Estado Novo. Infelizmente a ideologia do "salazarismo", que, na essência, apresentava a ordem política como "natural", não serve de muito à direita de hoje. Só à superfície os "valores" dessa ordem - Deus, Pátria, família, trabalho, autoridade - parecem ressurgir na América de Bush e aqui e ali em pequenos recantos da "Europa". De facto, na civilização individualista, igualitária e secular do Ocidente inteiro, mudaram de sentido e perderam a força. O Papa, aliás, bem se queixa disso.
Ora, sem Salazar, a direita portuguesa fica num vácuo. Sá Carneiro não durou o bastante para lhe dar forma e a consolidar. O "cavaquismo" , sendo um governo meritório, não deixou uma doutrina ou um método. O ensaio "populista" de Santana e Portas faliu na abjecção. Sobrou o quê? Sobrou um vago liberalismo, que se imagina esperto e na prática repete as banalidades da moda. O liberalismo, de resto, não é fácil num país como Portugal. A pobreza indígena sempre viveu da protecção do Estado e sempre desesperadamente a exigiu: a nobreza e a burguesia, o povo rural e o povo urbano, a Igreja e a Universidade, a agricultura e o comércio, a indústria e os serviços, o funcionalismo e, claro está, a arte. Toda a gente em Portugal espera tudo ou quase tudo do Estado, a começar pelos "liberais" de agora, que esperam do Estado negócios, privilégios, parcialidade e favores. Uma direita liberal portuguesa é uma contradição de termos.
Mas, se a direita não for conservadora, porque Salazar morreu e não há nada a conservar, e se não for liberal, por causa da eterna indigência do país, que será ela? Boa pergunta. Uma pergunta que, ao fim de trinta anos, já merece resposta. No fundo, a direita portuguesa não precisa de se "refundar", precisa simplesmente de se fundar.
Vasco Pulido Valente
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