quarta-feira, abril 13, 2005

CRÍTICA LITERÁRIA EM PORTUGAL

O estado lastimoso da actividade literária do nosso tempo tem várias causas; a crise do ensino público e a ausência geral de crítica responsável.
Temos faculdades a mais, professores a menos e estudantes a mais. Programas pessimamente orientados. Donde — ensino deficiente. E deficiente nos três graus.
Estamos a criar élites analfabetas, escolas que tornarão este país um vasto mar de estupidez e presunção tola.
Urge que um pulso de ferro canalize as actividades intelectuais para o campo da vida prática, descongestionando a Universidade e povoando eficientemente as escolas técnicas profissionais das diferentes regiões do país.
Por outro lado é indispensável que a literatura sinta a acção firme da crítica consciente.
Quando eram menos os que escreviam, escrevia-se melhor, porque havia pudor intelectual. Hoje que 100 por 100 dos portugueses são escritores, pensadores, filósofos, sociológicos, etc, — escreve-se pessimamente e pensa-se pior do que se escreve.
Não há escrúpulos de qualquer natureza. E toda a gente se aventura, com pasmosa facilidade, a deitar cá para fora uns versos, que não são versos, e umas prosas que só o são porque é em prosa que o homem se exprime. Ausência absoluta de ideias. Carência escandalosa de forma.
A alimentar tudo isto, o mais repugnantes sistema do Elogio mútuo, a par da atribuição de funções críticas ao primeiro que aparece — a desancar um adversário ou a endeusar um amigo.
A quem faz a crítica em Portugal não se lhe pergunta o que sabe, que competência tem para o fazer, o que estudou e o que estuda. Nada disso se cura averiguar.
O que se lhe exige é que desanque o adversário e incense o amigo. Contando-se com este modo de ser da vida intelectual portuguesa, os autores atiram-se de cabeça, confiados nos aplausos dos companheiros do seu botequim ou da sala das redacções, as quais, por sua vez, confiam na atmosfera, que lhes façam os autores para as suas supostas críticas.
Estamos em plena fase de crítica pessoal — alheios por completo à crítica objectiva, àquela que vê obras e ignora quem as assina, discute pensamentos e directrizes, indiferente a quem formule aqueles ou gize estas.
Isto não teria grande importância se as vítimas não fossem precisamente os valores positivos.
Os bons poetas, os bons romancistas, os bons historiadores, os bons filósofos, os bons ensaístas, os bons pensadores, os bons economistas, os bons homens de ciência vêem-se submergidos nos maus e nos medíocres, confundidos com estes, equiparados a estes, e o desânimo invade-os, por entrar com eles a convicção de que não vale a pena trabalhar com escrúpulo e consciência, num país e numa época em que os valores andam misturados com os não-valores.
Ter medo à crítica severa e honesta é o sentimento mais útil que um escritor pode abrigar. De um modo geral, sem prejuízo duma ou outra excepção, a crítica entre nós nem é honesta nem é severa: é tendenciosa e palavrosa. Insulta ou exalta, sem qualquer fundamento real. Deprime ou estimula por motivos inconfessáveis.
Nunca a nossa literatura foi tão pobre de grandeza, beleza e valor como nos tempos que correm.

Alfredo Pimenta
(In «Bandarra», n.º 2, 23.03.1935, pág. 7)