A Direita que não há, e o centro que fugiu
Nos anos trinta, ao tempo em que o Estado Novo erguia as suas estruturas na terra portuguesa, existiam alguns pilares institucionais onde, segundo os tratados, assentou o seu edifício político.
Como é geralmente apontado, a Igreja, as Forças Armadas, a Universidade (ao menos estes, e sobretudo estes) garantiram à nova situação o apoio, o enquadramento ideológico, os quadros, a base social necessária à empresa.
Como aparelhos de produção ideológica forneceram também a justificação doutrinária e os discursos de legitimação, interior e exterior, do regime.
Se procurarmos analisar o que mudou de então para a nossa época, facilmente reparamos que a Igreja ou desapareceu ou mudou de campo, o Exército subsiste em dimensão miniaturizada e musealizada, e a Universidade fragmentou-se e invertebrou-se, perdendo em peso e influência o que cresceu em volume.
Todas as tentativas das últimas décadas para organizar e representar politicamente a direita, designadamente em partido, com finalidades de intervenção eleitoral, esbarram inevitavelmente nestas faltas.
A quem há-de a direita representar? A verdade é que se não contarmos com uma sensibilidade difusa presente em alguns sectores da população e que normalmente só pode ser despertada por factores passageiros, circunstanciais, não existem instituições presentes e activas no corpo social, de âmbito e dimensão que releve, a reclamar essa representação.
Ora sem as referências institucionais catalizadoras e agregadoras não há forma de mobilizar e manter o apoio de faixas significativas da sociedade, com expressão qualitativa e quantitativa que baste a assegurar uma presença política caracterizadamente de direita.
Também por esse motivo tem acontecido o fenómeno dos políticos que começam a carreira galhardamente à direita para depois com a sua imersão no país político irem surgindo cada vez mais esquerdizados. Confrontam-se com o embaraço de verem as suas ambições e expectativas pessoais tolhidas pelas ideias com que avançaram – e a dada altura libertam-se desse lastro.
O que se passou foi que o centro político, entendendo este apenas como o ponto geométrico central entre as diversas forças que actuam e contam na vida política do país, foi-se deslocando cada vez mais para a esquerda.
Quando o Dr. Salazar proclamava as suas grandes certezas podia falar tranquilamente e apresentar-se como um modelo de equilíbrio e bom senso. Era um moderadão – quase um “centrista”.
Na actualidade, as mesmíssimas convicções serão apontadas como taras marginais, exclusivas de grupos extremistas numericamente insignificantes.
O centro deslizou continuamente para esquerda, de modo a fazer aparecer hoje como comuns e generalizadas, para o cidadão médio, propostas que há umas décadas nem a extrema-esquerda apresentaria, e inversamente a deixar isolados na extrema-direita princípios que há cinquenta anos nenhum sector político com respeitabilidade pública poria em causa.
Por este raciocínio se compreende a utilidade operacional deste conceito de centro político: se ideologicamente é o vazio, como é próprio de um ponto abstracto calculado num espaço dado, a imagem serve todavia para uma visão simples e imediata da evolução histórica da vida de uma sociedade.
E também permite visionar num relance os equilíbrios ideológicos de cada momento político. Procure-se onde está o centro, e logo se perceberá muito sobre a nossa própria situação.
Assim cheguei à magna questão da direita, que tem sido tão focada nestes tempos mais chegados e a que comecei por aludir no início.
Arranjem-se instituições, criadas, construídas de raiz, inventadas, ou recuperadas, ocupadas, conquistadas seja lá como for. Sem elas não parece que a direita possa vir a ter mais do que uma expressão inorgânica, marginal e residual.
(em "O Diabo", edição de 12/04/2005)
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