PATRIOTAS ÚTEIS
Com a devida vénia, à revista e ao autor, copio para aqui o artigo de Nuno Rogeiro na última edição da revista "Sábado". É o que se segue.
PATRIOTAS ÚTEIS
Acho que, no fim dos anos 70, escrevi os meus primeiros editoriais sobre a "morte da Pátria". Porém, mais de vinte anos depois, ela ainda aqui está.
Muitos, por ironia, metaforicamente, por "impressão", ou de forma convicta (até "científica") fizeram o mesmo. Suponho que é preciso dissertarmos acerca do abismo para o evitarmos; mas também é certo que os caminhos das pátrias, como os das pessoas (que são as pátrias, se não pessoas de pessoas?), aventuram se misteriosos, tortuosos, imprevisíveis.
Nas vésperas da queda do Muro de Berlim, cientistas sociais sérios juravam que a RDA já não era Alemanha. Em Londres, dizia-se que Margaret Thatcher, pouco tempo antes da unificação, considerava esta uma "fantasia".
Na estreia de Gorbachev, alguns "Kremlinologistas" ilustres acharam que a Perestroika iria acelerar as hipóteses de sucesso da URSS, até um analista da CIA ter descoberto que as casas de banho de Moscovo continuavam a não funcionar.
Não é seguro que Portugal (ou a Espanha) dure tanto como a humanidade, até ao Juízo Final. Só durará, aliás, até ao momento em que o último português do mundo deixar de se lembrar dele.
Astecas, maias, austro húngaros, checoslovacos, jugoslavos, soviéticos, são apenas alguns dos nomes de cidadãos feitos em pó.
Mas, por outro lado, croatas, eslovenos, timorenses e quirguistaneses, e outros povos impronunciáveis, que nunca tinham tido direito a Estado, mostram que, em política nacional, o desespero é uma estupidez.
São precisamente os perigos evidentes de extinção (sem dramas ou com canhões) que exigem à Pátria, mais do que discursos e bandeirinhas, gerações de mulheres e homens esforçados, capazes não só de morrer por Portugal, em última instância, mas de viver por ele, todos os dias.
O Deus das Nações (Agostinho da Silva dizia que Portugal era "um dos nomes de Deus") também escreve direito por linhas tortas.
É verdade que, por um lado, apetece ciclicamente lavrar um solene discurso sobre a crise derradeira. Mas legiões de polícias, militares, cientistas e técnicos, diplomatas e funcionários, artistas e pensadores, operários e criadores, de Paris a Macau, são o contingente diário de patriotas úteis, que torna esse fim proibido.
O eurodeputado comunista Sérgio Ribeiro, lutando pelo povo nação, em Bruxelas, Jorge de Sena extinguindo se entre o velho e o novo mundo, Vieira da Silva a pintar a Pátria às costas, com vista para um boulevard, Rodrigo Emílio trovando refúgio no Brasil, Pulido Valente, aqui mas fora, revoltado com o estado de coisas (a pena é maior que a espada), Durão Barroso como grande timoneiro da burocracia europeia, José Mourinho, o treinador-profeta, estão ou estiveram também entre os milhões de soldados desses exército de luzes.
Não nos esqueçamos, como alguém dizia, que Cristo nasceu no exílio.
Nuno Rogeiro
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