A queda
Quando jovem dediquei algum tempo e entusiasmo à leitura de René Guénon.
O autor de "A crise do mundo moderno" interessava-me sobretudo nesta dimensão, de crítico da contemporaneidade.
Naturalmente que tinha a consciência de quão controversa seria sempre a sua personalidade (e não vale a pena comentar porquê, de tal modo foram polémicas as suas escolhas conhecidas).
Com o tempo fui-me afastando dessas leituras, submergido pelo que ele chamava "a ilusão da vida vulgar" (vide, "O reino da quantidade").
Agora lembro-me dele muitas vezes. Não que a sua obra tenha perdido o carácter polémico com o decorrer do tempo. Eu é que tenho cada dia maiores dificuldades em me manter na "ilusão da vida vulgar".
Recordo que Guénon, com muito mais ênfase do que a generalidade dos autores tradicionalistas, não falou apenas de perda, de decadência, de degradação progressiva das sociedade modernas quanto aos aspectos espirituais (neste ponto estaria a par de outros autores usualmente denominados dessa forma) - ele estende esse diagnóstico à vida mental, intelectual. O homem moderno sofre de diminuição de que não pode aperceber-se: as suas faculdades de compreensão tornaram-se mais limitadas e o próprio campo da sua percepção se restringiu.
Nesta altura já alguns leitores estarão ofendidos; mas se pensarem um pouco em Aristóteles e Platão, ou em Santo Agostinho ou em Dante, a ideia de progresso parece mais absurda do que a desconfiança em relação a essa marcha ascensional.
Tenho de memória um trecho de Guénon que não sou capaz neste momento de localizar em que ele apresenta um raciocínio perturbante: na sua época a Summa Theologica foi escrita como um manual para uso dos estudantes - onde estão agora os estudantes capazes de a lerem e entenderem?
Pois é... a Summa Theologica...
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