segunda-feira, abril 11, 2005

A (re)fundação da direita

Continuando a trazer para aqui textos alheios que me parece importante partilhar neste diálogo com os leitores deste espaço, reproduzo a seguir o artigo de Jaime Nogueira Pinto publicado na última edição do "Expresso".

A (re)fundação da direita (II): Méritos
A discussão pós 20 de Fevereiro sobre a «(re)fundação» da direita teve já alguns méritos:
1. Mostrou que há gente que se afirma de direita, a pensar, a escrever e a debater a direita e as direitas.
2. E a fazê-lo em termos de ideias e polemicamente. Na direita cabem, assim, nacionalistas e europeístas, tradicionalistas e liberais, conservadores e progressistas, estatizantes e libertários, organicistas e individualistas.
3. O que marca, também, o fim de alguns clichés ou preconceitos enquistados domesticamente: que a direita não quer saber de «ideologias», coisa que, prática e empreendedora, deixa para as esquerdas! Que a diferença direita/esquerda é só quanto à economia, a direita pelo mercado e a esquerda pelo «socialismo»! E, finalmente, a versão patética mas ainda ouvida de que a direita são «os ricos» e a esquerda «os pobres».
Parece que já ultrapassámos este estádio primitivo do fundamentalismo «antifascista» ou do fascismo «arrependido» de pôr a questão. Ainda bem, mas aonde estamos?
No meu anterior artigo sobre este tema (EXPRESSO, 12/03/05), sublinhei o problema que Salazar e o Estado Novo colocaram, historicamente, à direita em Portugal: a defesa autoritária de determinados valores religiosos, nacionais, familiares baniu esses valores do mapa das opções ideológicas «democráticas», facto que persiste trinta anos depois do 25 de Abril...
Esta é uma questão que não se deve escamotear. Mas parece me que aqui preguei aos peixes, pois houve quem a tomasse por veleidade «restauracionista». E o tal anátema persiste, a avaliar pelos exercícios de reconstrução e «lifting» de imagem e biografia a que se entregam, ainda, ex-personalidades do anterior regime.

O denominador comum. Deixando estes detalhes e voltando a coisas sérias: se «as direitas» são tão diversas assim, por que é que são «direitas», de direita, o que é que as faz assim e as une? Observadas as coisas, creio que continua a ser a rejeição da esquerda, ou mais exactamente do modelo evolutivo, isto é, do paradigma filosófico e histórico que identifica História e Progresso, no sentido de uma perfectibilidade da natureza humana e das sociedades humanas, através da razão, da ciência e da técnica. Este é o paradigma iluminista, fundamentado pelo optimismo antropológico. E servido, a partir do materialismo finalista de Thomas Hobbes, «com a ideia do Estado ao serviço do bem estar material do maior número», mais o pacifismo «internacionalista» de Kant, as «idades» de Comte e a aceleração revolucionária de Marx e Lenine.
O que une as «direitas» é a rejeição desta descrição da História, do «processo» que lhe é imanente, e deste destino «inevitável» da Humanidade, e da realidade antropológica e social que os fundamentam; não crêem no discurso do progresso, na transformação da natureza humana, no igualitarismo como limite; não partilham o optimismo kantiano da Paz pela Lei nem querem o fim dos Estados e das soberanias inúteis e dissolvidos num espaço económico globalizado.
A partir deste denominador (negativo) comum tudo é diverso: há uma direita «religiosa», isto é, com valores de origem revelada e orientação permanentes, o que não quer dizer que os queira (ou possa) impor a mais ninguém; e há uma direita que não tem tais preocupações transcendentes, optando por viver e deixar viver. Há uma direita que privilegia a independência da nação, a direita com preocupações de identidade e de unidade sociocultural do «povo», que corresponde às direitas «populares» europeias e aos «jacksonianos» nos Estados Unidos; e há uma «direita» que é cosmopolita, «business oriented», internacionalista, «hamiltoniana», em termos americanos.
Esta é uma direita economicamente (e politicamente...) mais anglo saxónica menos Estado, liberalismo ou libertarismo económico social, sobrevivência dos mais aptos (para a competição do mercado). Como a outra, a popular continental, é uma direita economicamente (e politicamente) dirigista, solidarista, partidária da «economia social» e da redistribuição justicialista.
Quanto às novas gerações, o que as leva para «a direita» (a avaliar pelos «blogues») é também a reacção à hegemonia instalada das referências da esquerda, esta cultura político literária mediática do conformismo mais pleno e correcto, disfarçado de retórica inconformista. Penso que, no nosso tempo, foi também o que nos lançou na leitura de escritores «alternativos» que eram então chamados «malditos» - Pound, Drieu, Céline, Von Salomon, mais Jünger e T.E. Lawrence os autores da «Europa negra» e de uma linha de realismo heróico nos antípodas do bem pensante, da cartilha estabelecida, dominante, «correcta», então neo realista ou tecnocrática.
E já dá também para ver, na breve «polémica» entre as «direitas», uma normal clivagem em Portugal entre a geração que viveu a crise do Império e da guerra de Africa (que fez, a par com a questão académica e o «antifascismo», a clivagem histórica esquerda direita anterior) e as gerações que vêm depois, e para quem tudo isso é «archeologia».
Em conclusão, «as direitas» afirmam se, distinguindo se na Direita, combatem e combatem se; e fora de um quadro político partidário cuja ignorância e indigência ideológicas parecem ser reconhecidas e apontadas por toda a gente outro ponto positivo no debate como uma das razões do insucesso conhecido e reconhecido.

A defesa do real. A grande reivindicação da direita tem de ser a defesa da política do real, isto é, de uma política que, sem perder de vista a eticidade e até a perfectibilidade das instituições humanas em ordem aos valores, não perca a referência e o respeito pela natureza do homem e da sociedade, uma natureza que só podemos compreender a partir da História e dos seus mecanismos observados e interrogados, em ternos de crítica da cultura, como fez Nietzsche. Uma realidade que não se deve adulterar, sublimando a ou abaixando a, à mercê de um discurso retórico e de conjuntura, politicamente correcto. Que a esquerda, com felizes mas raras excepções, se obstina em repetir e que hoje, por cá, encontra o seu paroxismo no humanitarismo histérico, inquisitorial e farisaico dos neo trotskistas e de outras intolerantes «famílias democráticas».

Jaime Nogueira Pinto