A liberdade que mata a liberdade
Porque gostei de o ler, trago para aqui o último artigo de João César das Neves no "Diário de Notícias".
"A liberdade tem de ser protegida. Esta é a verdade secular que distingue as muralhas da cidade dos muros da prisão. Depressa perderia a liberdade quem, em nome dela, demolisse tribunais, esquecesse cintos de segurança, desmobilizasse a polícia. Num avião o passageiro só é livre se estiver preso ao seu lugar, não sentado na asa, "livre como um passarinho".
Na busca permanente do equilíbrio delicado entre protecção da liberdade e opressão em nome da segurança, as sociedades livres e democráticas criaram múltiplas instituições para estabelecer e abrigar a sua autonomia. Das leis laborais ao Código da Estrada, as actividades humanas são regulamentadas para permitir o exercício pleno da liberdade. Todas menos uma.
A família é aquele campo em que, tolamente, a sociedade moderna preconiza uma liberdade radical, sem limites. Precisamente no aspecto humano mais influente e na área onde, historicamente, mais hábitos e prescrições vigoraram, defende-se hoje, em maciças campanhas mediáticas, o libertarismo mais absoluto.
Enfraqueceu-se o matrimónio pelo divórcio e as uniões de facto. Agora pretende-se descaracterizá--lo com o casamento de homossexuais. Qualquer aliança entre duas pessoas passaria a ser considerável como casamento. Imagine os urros de indignação de empresas e sindicatos se coisa semelhante se passasse nos contratos de trabalho. Mas no campo sexual a única regra admissível é fazer-se o que se quer, sem ninguém ter nada com isso. Não é assim no tabaco, automóvel, bebida, economia, em todo o lado. Mas no sexo tem de ser.
A vulnerabilidade da liberdade leva, como sempre, ao poder do mais forte e ao sacrifício do inocente. As crianças são descartadas antes de nascer pelo aborto e mal- -amadas depois pelo divórcio. Os idosos são esquecidos em vida nos lares e apressados na morte pela eutanásia. Estas são hoje propostas políticas defendidas furiosamente em nome da liberdade.
A mulher é sempre a grande sacrificada. Vivemos no tempo que mais a agride, despreza e oprime. O facto passa despercebido porque, paradoxalmente, tudo é feito em nome da sua libertação. Este magno embuste cultural é já o segundo da nossa era. O feminismo radical é paralelo ao marxismo, que destruiu a condição dos trabalhadores em nome da defesa dos seus interesses.
A opressão actual da condição feminina é fácil de demonstrar. Quais as principais vítimas da degradação da família? Da liberalização do aborto? Da banalização da pornografia? Objectivamente, a nossa cultura de ambição, violência e competição é, em múltiplos aspectos, diametralmente oposta aos valores femininos. A mulher foi influente em épocas que preferiam a honra ao sucesso, a estabilidade ao progresso, a beleza à eficácia, a tradição à novidade.
No campo sexual a agressão é mais cínica. Vemos há décadas um esforço intenso para mascarar como natural um modo de vida promíscuo, hedonista, descomprometido. Esta filosofia nada tem de moderno. Ou feminino. Apregoada há milénios pelos clientes de tabernas e bordéis, saltou agora para telenovelas, romances e conversas de café, sendo apoiada pelas próprias vítimas. Temos meninas de escola a aclamar uma atitude tradicionalmente preconizada por marialvas e chauvinistas. A "mulher desinibida" é a realização do sonho mais machista de Casanova e Don Juan, em nome da paradoxal "libertação da mulher".
Mas a igualdade radical e o libertarismo familiar deram agora mais um passo e os termos da questão estão a mudar. Recusa-se já a existência de atitudes típicas de cada sexo. Vive-se a própria negação da identidade feminina, exaltando homens efeminados e mulheres másculas. Na nebulosidade de conceitos, deixam até de existir "sexos" e aparecem "géneros".
Estas questões estraçalham hoje a sociedade espanhola, corroem a cultura holandesa, incendeiam os estados norte-americanos. Perante os patéticos esforços de demolição da família, podemos dizer como Madame Roland contemplando a guilhotina "Oh liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome!"
7 Comments:
Francamente não entendo a fixação quase paranóica do JCN no sexo.
Não vejo diferenças substanciais entre o sexo e comer, mijar ou tomar um café e, muito sinceramente, não sei o porquê de lhe darem tamanho destaque.
Uns e outros.
"...estraçalham hoje a sociedade espanhola..."
Que raciocínio hiperbólico.
A tal Espanha estraçalhada encaminha-se para o G-8.
nenhuma sociedade 'estraçalhada' teria o sucesso que tem a moderna Espanha e, muito francamente, o que o Sapateiro legisla nas tais 'questões fracturantes' não me aquece nem arrefece. Nem me interessa sobremaneira.
Já o JCN parece só pensar nisso.
Enfim....fetiches.
"...corroem a cultura holandesa..."
Ahahahah.
Como se os calvinistas estivessem muito preocupados.
Além disso, en passant pela Holanda, está-se toda a gente nas tintas para estas questões que, para cúmulo, gozam de amplo apoio dos locais, reputados huguenotes. :)
"...incendeiam os estados norte-americanos..."
O estado de 'incêndio' é o estado natural dos EUA. É ums sociedade 'incendiária'. Sempre foi.
Eles gostam assim, nem saberiam viver de outro modo.
Nada de novo ou sequer preocupante.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
O que o Buiça pode não acreditar, mas é verdade, é que na Holanda se está a dar um grande recrudescimento dos valores conservadores... Lembra um bocado o Irão! Depois de tanta dissolução a malta revolta-se e depois é uma chatice... Basta ver o aumento do número de católicos nas Províncias Unidas!
Esta reflexão sobre a liberdade do JCN vai ao encontro do muito que aqui temos vindo a dizer...
Buica diz:
'Francamente não entendo a fixação quase paranóica do JCN no sexo.
Não vejo diferenças substanciais entre o sexo e comer, mijar ou tomar um café'
Caro Buica,
A 'fixacao' nao é do JCN. Permita-me o reparo: está a ler-lhe as palavras como que reflectidas numa superfície concava...
A 'fixacao' é, justamente, da sociedade em geral que, tal como o Buica, quer fazer equivaler o acto sexual a uma mera necessidade fisiológica, quiçá para poder, assim, justificar os excessos como mera gula ou 'doenca' incurável.
No entanto, sexo em excesso nao atrofia as artérias nem faz subir os níveis de colestrol. Também nao o encontrará como sintoma na posologia de um medicamento contra a incontinencia. E, já se sabe, a ausencia de sexo nao provoca a morte – de outro modo, os seminarios mais nao seriam centros clínicos de criacao de zombies - em cuja existencia (dou por assente) o Buica nao acredita.
A faculdade que dois seres humanos tem de se unirem através da carne resulta de um princípio universal básico, válido para todos os animais (o mesmo princípio que, na outra face da mesma moeda, impede que o suicídio seja tambem ele um facto aceitável na ordem natural das coisas) - a propagacao da espécie. No entanto, o que distingue a uniao da carne entre humanos da uniao da carne entre qualquer das restantes espécies animais é a faculdade dos primeiros de Amar. O ser humano é capaz de Amar porque, ao contrário dos outros animais, está dotado de Razao. Essa faculdade Racional do ser humano ‘apura’ espiritualmente os seus instintos naturais que sao comuns a toda a espécie animal (entre os quais o de propagacao da espécie através do sexo), fazendo do Homem um animal muito mais ‘requintado’ que qualquer dos outros. Apesar de ser capaz de tratar o acto sexual como se de uma mera necessidade fisiológica se tratasse (como, de resto, também tem a capacidade de se suicidar), o Homem, ao contrário dos restantes animais, só consegue cumprir a sua missao biológica de propagacao e defesa da espécie de um único modo: através do que Gustavo Corcao define (e que bem o faz) como Amor fecundo. Foi assim que fomos desenhados, nao há volta a dar-lhe.
A insistencia numa mentira nunca fará dela uma verdade e o pior cego é aquele que nao quer ver.
Miguel
Grande Miguel! Excelente!
Muitos Parabéns
Continuo preocupado com o Hermano-josé!
"... que na Holanda se está a dar um grande recrudescimento dos valores conservadores... Lembra um bocado o Irão!"
ahahah
Pagava para ver :)
Quanto ao Irão, não se preocupe.
Não durará muito...o 'recrudescimeto'.
Há quem esteja atento.
Miguel, o que o meu vizinho faz em casa dele não me interessa minimamente. Pode o vizinho fazer o que quiser, desde que não me chateie.
E o contrário é igualmente válido.
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