Valha-nos Santo António
Os portugueses foram confrontados com mais um sinal gritante de crise social, duas décadas depois da adesão europeia.
Já lá vai o tempo do país dos brandos costumes. As grandes cadeias de televisão mundiais descobriram um Portugal novo.
A imagem de centenas de jovens de cor a irromper pela praia de Carcavelos, agredindo e roubando quem gozava as delícias do sol, perante uma força policial atónita, não podia ser mais aterradora.
De facto, trinta e seis mil milhões de euros de fundos europeus depois, o arrastão é a pior forma de comemorar os vinte anos de adesão à União Europeia.
O arrastão de Carcavelos fez emergir, ainda que momentaneamente, um Portugal escondido, em que os filhos dos desempregados e dos imigrantes se assumiram como um exército organizado e ameaçador.
Não há exposições mundiais, campeonatos de futebol europeus e auto-estradas que sejam suficientes para esconder a pobreza e os excluídos.
Não basta avançar com soluções securitárias e multiplicar as explicações apressadas e atabalhoadas, cujo efeito apaziguador é mais do que duvidoso. Nem tão pouco precipitar visitas presidenciais à Cova da Moura para tentar provar que está tudo calmo e que as autoridades controlam os gangs e o dia-a-dia dos bairros degradados. Também não é só com medidas de moralização da classe política que se alcança a paz social. É preciso mais, muito mais.
O poder político tem o dever de interpretar os sinais de alarme social, no momento em que está a impor, cegamente, pesados sacrifícios aos mais desfavorecidos, nomeadamente com o aumento do IVA.
Num país em que a rede de apoio social é deficitária, muito por culpa da falta de organização e do desperdício, os mais pobres não aguentam as medidas draconianas para fazer face à crise das finanças públicas.
A uma semana de ultrapassar a barreira psicológica dos 100 dias de funções, o Governo socialista tem de empurrar a economia para o crescimento, para a criação de emprego, para a correcção das assimetrias entre o litoral e o interior, tal como prometeu José Sócrates na campanha eleitoral.
Os órgãos de soberania têm de agir. Agora, já não há desculpa para fazer de conta que não se sabe o que se está a passar e nomear mais uma comissão de avaliação para identificar o que está à vista de todos: um país à beira de um ataque de nervos e de uma explosão social e étnica.
P.S. A morte de Álvaro Cunhal e de Eugénio de Andrade deixam Portugal ainda mais pobre.
Trinta e seis mil milhões de euros de fundos europeus depois, o arrastão é a pior forma de comemorar os vinte anos de adesão à União Europeia
Rui Costa Pinto
(in Visão).
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