domingo, julho 24, 2005

A depuração das bibliotecas

Com surpresa minha encontrei hoje o "Público" trazendo como tema forte um assunto que eu próprio já tinha agendado há muito para este blogue, mas que afazeres múltiplos me tinham levado a protelar para melhor ocasião.
Trata-se do processo agora esquecido da depuração das bibliotecas, ocorrido em 1974/1975, pelo qual foram efectivamente expurgadas as bibliotecas dependentes do Ministério da Educação de largas toneladas de livros, considerados então indignos de viver.
Como estou com pressa, limito-me a recordar por agora que as bibliotecas em causa ascendiam a umas centenas (todas as bibliotecas escolares, nomeadamente).
E não se tratou de um processo espontâneo, nascido dos excessos de uns tantos revolucionários exaltados. Foi um processo conduzido oficialmente pela hierarquia do Ministério da Educação.
O "Público" reproduz o despacho do então secretário de Estado da Orientação Pedagógica, Rui Grácio, datado de 17 de Outubro de 1974:
"Tendo sido informado de que nas Bibliotecas dos estabelecimentos de ensino existe quantidade apreciável de livros e revistas de índole fascista, determino que seja elaborada uma circular ordenando a destruição das publicações com esse carácter, depois de arquivados um exemplar, pelo menos, de cada revista e alguns livros a seleccionar, que fiquem como documento ou testemunho de um regime."
Acrescento o texto da circular nº 1/75 do Ministério da Educação, Investigação e Cultura, elaborada na sequência do despacho e recebida em todos os estabelecimentos de ensino:
"Exmo Sr Encarregado da Biblioteca: é chegada a oportunidade de, numa primeira fase, proceder nessa biblioteca ao saneamento dos livros que não reunam condições ideológicas, literárias ou técnicas para continuarem a ser dadas à leitura:
Nesta conformidade deve V.Ex.ª seguir, com toda, a urgência, as intruções seguintes:
a) Retirar da biblioteca e inutilizar pela forma que achar mais conveniente e perante 2 testemunhas, todas as obras que constam da lista “A” anexa a esta circular;
b) Lavrar auto dessa destruição em duplicado, de onde conste o nome de todas as obras inutilizadas e o modo como o foram, arquivando um exemplar no processo da biblioteca e enviando o outro a esta Direcção-Geral;
c) Cortar a página que contém uma frase dos ex-presidentes do concelho, em todos os livros constantes da lista “B” anexa a esta circular, livros estes que continuam depois disso a figurar na biblioteca.
Deve ainda V.Exª aguardar que oportunamente se lhe envie segunda lista de mais obras a destruir numa segunda fase.
Com os melhores cumprimentos – A Direcção Geral
a) Maria Justina da Fonseca

Finalmente, relembro a título exemplificativo algumas das obras condenadas então à fogueira, constantes da tal lista anexa (conferir em Barradas de Oliveira, "Quando os Cravos Murcham").
Biografia de Santo António, do Padre Félix Lopes; A família, a mulher e o lar, de José Francisco Rodrigues; História Breve de Portugal, de Caetano Beirão; A revolução portuguesa, de Jesús Pabon; Forças Armadas Portuguesas; Exposição Henriquina; Rapaziadas teatrais, por Zé Ninguém; O livro da cortesia, de Carlos Fiore; Virtudes da Raça, de Pereira da Conceição; Serões rurais, de Albano de Melo;O natal em Portugal, de Luis Chaves; De passeio à Beira-alta, de A. Lucena e Vale; Santos de Portugal, de Américo Cortês Pinto; O livro do caçador, de João Maria Bravo;A Nação, de Mário Simas; O pomar, de Miguel da Mota Melo; Os grandes escritores portugueses, de João Gonzalo de Carvalho; Pintura da nossa terra e da nossa gente, do Prof. Flórido de Vasconcelos e Arq. Marcelo de Morais; A matemática não é difícil (2 volumes) de Manuel de Sousa Ventura; Geometria ao canto da lareira, de Manuel de Sousa Ventura; O comércio, de Rui Gomes Tarroso; Gago Coutinho Geógrafo, de Jorge Ramos Pereira...
E muito mais poderia escrever-se. Por ora fico por aqui. Voltarei oportunamente ao assunto.

4 Comments:

At 10:29 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Eu recordo-me de no Liceu Camões se terem queimado e destruído livros, entre os quais exemplares de «Os Lusíadas» e obras de autores como Vitorino Nemésio e sobre temas como os Descobrimentos. Nunca mais me esqueci. E o mesmo aconteceu noutros liceus de Lisboa. Rica revolução, a de Abril!

 
At 12:49 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Criminosos... Hão-de pagar bem caro!!!

 
At 3:12 da tarde, Anonymous Anónimo said...

durANTE 50 ANOS CENSURAM LIVROS JORNAIS TELEVISÃO RÁDIO


E AGORA ESTÃO ARMADOS EM VIRGENS ULTRAJADAS PORQUE NO PREC SE COMETERAM ACTOS INDIGNOS



AO MENOA AGORA PODEM TER UM BLOG SEM SEM CENSURA A DIZER MAL DO 25 DO A SEM QUE NINGUEM VOS PRENDA

ESSA É A DIFERENÇA

 
At 3:08 da tarde, Blogger JMTeles da Silva said...

Onde para esse Grácio hoje em dia?
Era interessante saber.

 

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