O partido dos jornalistas
Um problema cada vez mais presente em todas as sociedades mediatizadas do Ocidente é o frequente desfasamento entre a opinião pública e a opinião publicada.
Já escrevi sobre isto mas a actualidade impõe o regresso ao tema.
Normalmente a questão só é discutida em privado, e em voz baixa. A prudência manda calar. Mas todos os sujeitos activos da sociedade a conhecem.
E há momentos em que salta aos olhos dos observadores mais distraídos. São as ocasiões em que surge aos olhos de todos a importância do que chamo o "partido dos jornalistas". São aquelas em que de súbito a classe se mobiliza e com absoluta indiferença pelo público destinatário oferece em espectáculo autista e arrogante a exibição despudorada do seu poder.
Essas ocasiões são sempre despoletadas e desenvolvem-se em torno de algo (um assunto, um acontecimento, uma organização, uma personalidade) em que a classe se reconhece e resolve tomar como seu.
O tema do aborto, como tinha sido exuberantemente demonstrado quando da campanha do referendo respectivo, e de que foi exemplo gritante a actuação no caso do barco do aborto, é um desses pontos de mobilização geral.
Lembre-se neste último caso o que foi durante dias e dias o contraste entre a absoluta indiferença popular e a histeria desenfreada da comunidade jornalística.
Um não-acontecimento, uma insignificância agitada freneticamente por um pequeno grupo de activistas inteiramente marginal às preocupações e aos interesses da população, era ampliado a dimensões de epopeia perante a perplexidade geral.
E agora, que estamos perante nova campanha eleitoral, observe-se com atenção o tratamento dado a tudo o que se relaciona com o Bloco de Esquerda. Que o pequeno agrupamento só atingiu verdadeira expressão política por força do empenho da comunicação social que nisso se envolveu com entusiasmo militante já tem sido sublinhado por vozes mais poderosas que a minha. Mas atente-se de novo no trabalho que surge aos olhos do público: a escolha das imagens, das frases, o ambiente geral dos comentários e todo o enquadramento das peças; frequentemente vê-se a cobertura nos telejornais e não se distingue do que se vê nos tempos de antena propriamente ditos (aliás suspeito que por vezes haja coincidência de nomes entre o pessoal responsável de uns e outros).
Que fazer face a este fenómeno de distorção, em que o mensageiro cria a própria mensagem?
Seria um excelente assunto para estudar mais desenvolvidamente nas escolas de jornalismo.
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