A "tropa"
Num momento em que o debate à volta das questões militares se concentrou na exploração da pequena inveja, miserável e mesquinha (facto no qual a responsabilidade fundamental é do governo e dos seus técnicos de propaganda, que decidiram apostar nesse truque simples de pôr a render os sentimentos mais baixos e primários), encontrei no "Do Portugal Profundo" um comentário assinado por um velho militar cuja importância me parece justificar a transcrição completa.
É preciso ler e divulgar, para que se lembre que problemas sérios não se podem resumir à demagogia niveladora e igualitária, ao serviço da única classe que pode legislar e governar em seu próprio proveito, e o faz abundantemente - tendo depois o despudor de praticar a estratégia de gritar às massas contra os privilegiados, para reforçar o seu próprio poder.
«E esta heim?!
1. Especialistas ingleses e norte-americanos estudaram comparativamente o esforço das Nações envolvidas em vários conflitos em simultâneo, principalmente no que respeita à gestão desses mesmos conflitos, nos campos da logística geral, do pessoal, das economias que os suportam e dos resultados obtidos. Assim, chegaram à conclusão que em todo o Mundo só havia 2 Países que mantiveram 3 Teatros de Operações em simultâneo; a poderosa Grã-Bretanha, com frentes na Malásia (a 9.300 Kms de 1948 a 1960), no Quénia (a 5.700 Kms de 1952 a 1956), e em Chipre (a 3.000 Kms de 1954 a 1959), e o pequenino Portugal, com frentes na Guiné (a 3.400 Kms), Angola (a 7.300 Kms) e Moçambique ( a 10.300 Kms) de 1961 a 1974 (13 anos seguidos). Estes especialistas chegaram à conclusão que Portugal, dadas as premissas económicas, as dificuldades logísticas para abastecer as 3 frentes, bem como a sua distância, a vastidão dos territórios em causa, e a enormidade das suas fronteiras, foi aquele que melhores resultados obteve. Consideraram por último, que as performances obtidas por Portugal, se devem sobretudo à capacidade de adaptação e sofrimento dos seus recursos humanos, e à sobrecarga que foi possível exigir a um grupo reduzido de quadros dos 3 Ramos das Forças Armadas, comissão atrás de comissão, com intervalos exíguos de recuperação física e psicológica. Isto são observadores internacionais a afirmá-lo. Conheci em Lisboa oficiais americanos com duas comissões no Vietnam. Só que ambos com 3 meses em cada comissão, intervalados por períodos de descanso de outros 3 meses no Hawai. As gerações de Oficiais, Sargentos e Praças dos 3 Ramos das Forças Armadas que serviram durante 13 anos na Guerra do Ultramar, nos 3 Teatros de Operações, só pelo facto de aguentarem este esforço sobrehumano que se reflecte necessariamente em debilidades de saúde precoces, mazelas para toda a vida, invalidez total ou parcial, e morte, tudo ao serviço da Pátria, merecem o reconhecimento da Nação, que jamais lhe foi dado.
2. Em todo o Mundo civilizado, e não só em Países Ricos, cidadãos protagonistas dos grandes conflitos e catástrofes com eles relacionados, vencedores ou vencidos, receberam e recebem por parte dos seus Governos, tratamentos diferenciados do comum dos cidadãos, sobretudo nos capítulos sociais da assistência na doença, na educação, na velhice, e na morte, como preito de homenagem da Nação àqueles que lutaram pela Pátria, com exposição da própria vida.Todos os que vestiram a farda da Grã-Bretanha, França, Rússia, Alemanha, Itália e Japão têm tratamento diferenciado. Idem para a Polónia e Europa de Leste, bem como para os Brasileiros que constituíram o Corpo Expedicionário destacado na Europa. Idem para os Malaios, Australianos, Filipinos, Neo-zelandeses e soldados profissionais indianos. Nos EUA a sua poderosíssima “Veterans War“ não depende de nenhum Secretário de Estado, nem do Congresso, depende directamente do Presidente dos EUA, com quem despacha quinzenalmente. Esta prerrogativa referendada por toda uma Nação, permite que todos aqueles que deram a vida pela Pátria repousem em cemitérios espalhados por todo o Mundo, duma grandiosidade, beleza e arranjo ímpares, ou todos aqueles que a serviram tenham assistência médica e medicamentosa para eles e família, condições especiais de acesso às Universidades, bolsas de estudo, e outros benefícios sociais durante toda a vida. Esta excepção que o povo americano concedeu a este tipo de cidadãos é motivo de orgulho de todos os americanos. O tratamento privilegiado que todo o Mundo concedeu aos cidadãos que serviram a Pátria em combates onde a mesma esteve representada, é sufragado por leis normalmente votadas por unanimidade. Também os civis que ficaram sujeitos aos bombardeamentos, quer em Inglaterra, quer em Dresden, quer em Hiroshima e Nagasaki, têm tratamento diferenciado. Conheço de perto o Irão. Até o Irão dá tratamento autónomo e especifico aos cidadãos que combateram na recente Guerra Irão-Iraque, onde morreram 1 milhão de iranianos. Até Países da Africa terceiro mundista e subdesenvolvida, como o Quénia, recentemente visitado para férias pelo Sr. Primeiro-Ministro, atribuiu aos ex-maus-maus, esquemas de protecção social diferentes dos outros cidadãos. Em todo o Mundo, menos em Portugal. No meu Pais, os Talhões de Combatentes dos vários cemitérios, estão abandonados, as centenas de cemitérios espalhados pela Guiné, Angola, Moçambique, Índia e Timor, abandonados estão. É simplesmente confrangedor ver o estado de degradação onde se chegou. Parece que a única coisa que está apresentável é o monumento do Bom Sucesso-Torre de Belém, possivelmente porque está à vista e porque é limpo uma vez por ano para a cerimónia publica que lá se realiza. Até grande parte dos monumentos municipais aos Mortos da Guerra do Ultramar vão ficando abandonados. No meu País, a pouco e pouco, foi-se retirando a dignidade devida aos que combateram pela Pátria, abandonando os seus mortos, e retirando as poucas ”migalhas” que ainda tinham diferentes do comum dos cidadãos, a assistência médica e medicamentosa, para ele e cônjuge, alinhando-os “devidamente” por baixo. ATÉ NISTO CONSEGUIMOS SER DIFERENTES DE TODOS OS OUTROS. No meu País, os políticos confundem dum modo ignorante ou acintoso, militares com polícias e funcionários públicos (sem desprimor para as profissões de policias e funcionários públicos, bem entendido). Por ignorância ou leviandade os políticos permanentemente esquecem que o estatuto dos militares não lhes permite, nem o direito de manifestação, nem de associação sindical, (veja-se a recente intervenção governamental por causa duma manifestação convocada por Associações representativas de militares), alem de ser o único que obriga o cidadão a dar a vida pela Pátria. Até na 1ª Republica, onde grassava a indisciplina generalizada, a falta de autoridade, o parlamentarismo balofo, as permanentes dificuldades financeiras e as constantes crises económicas, não foram esquecidos todos aqueles que foram mandados combater pela Pátria na 1ª Guerra Mundial(1914-18), decisão politica muito difícil, mas patriótica, pois tinha a ver com a defesa estratégica das possessões ultramarinas. Foram escassos 18 meses o tempo que durou a Guerra para os portugueses, mas todos aqueles que foram mobilizados, e honraram Portugal, tiveram medidas de apoio social suplementares diferentes de todos os outros cidadãos portugueses. Naquela altura os políticos portugueses dignificaram a sua função e daqueles que combateram pela Pária. Foram criados Talhões de Combatentes em vários cemitérios públicos, à custa e manutenção do Estado, foram construídos monumentos grandiosos em memória dos que deram a vida pela Pátria, foi concebido um Panteão Nacional para o Soldado Desconhecido na Sala do Capitulo do Mosteiro da Batalha com Guarda de Honra permanente, 24 sobre 24 horas, foram criadas pensões especiais para os mutilados, doentes e gaseados, foram criadas condições especiais de assistência médica e medicamentosa para os militares e famílias nos Hospitais Militares, numa altura em que ainda não havia assistência social generalizada como há hoje, foi criado um Lar especifico para acolher a terceira idade destes militares em Runa (é importante relembrar que em 1918 se decidiu receber e tratar os jovens, com 20 anos em 1918, quando estes tivessem mais de 65 anos de idade), e por último foi criada a Liga dos Combatentes que de certo modo corporizava todo este apoio especial aos combatentes, diferente de todos os outros cidadãos, e era o seu porta-voz junto das instâncias governamentais (uma espécie de “Veteran’s War“ à portuguesa.) Foi toda uma Nação, com os políticos à frente, que deu tudo o que tinha àqueles que combateram pela Pátria, apesar da situação económica desesperada e de quase bancarrota. Na altura seguimos naturalmente o exemplo das demais nações. Agora somos os únicos que não seguem os exemplos generalizados do tratamento diferenciado aos que serviram a Pátria em combate. É SIMPLESMENTE UMA VERGONHA. Haveria muito mais para dizer para chamar a atenção deste Ministro da Defesa, deste Primeiro-Ministro e deste Presidente da República, todos possivelmente com carências de referências desta índole nos meios onde se costumam movimentar, sobretudo no que respeita à comparação dos vencimentos, regalias e mordomias dos que expuseram ou deram a vida pela Pátria e aqueles, que antes pelo contrário, sempre fugiram a essa obrigação.
Manuel de Oliveira, Major Reformado, 4 Comissões de Serviço no Ultramar, 10 anos de Trópicos, Deficiente das Forças Armadas por doença adquirida e agravada em Campanha. Quase 70 anos de idade. Sem acumulação de cargos. Sem Seguro de Saúde pago pelo Estado ou EP. Sem direito a Subsídio de Reinserção. Sem cartão de crédito dourado sem limite de despesas. Sem filhos empregados no Estado por conhecimentos pessoais. Sem o direito a reformas precoces de deputado ou autarca. Sem reformas precoces e escandalosas estilo Banco de Portugal ou CGD. Sem contratos que prevêem indemnizações chorudas. Sem direito a ficar com os carros de borla e que o Estado pagou em Leasing. Sem fazer contratos de avenças com Gabinetes de Advogados e Economistas. Sem Pensão de Reforma acima do ordenado do Pres. da República. Com filhos desempregados. Sacrificado - 17.09.05 - 1:50 pm »
3 Comments:
Até podia simpatizar com a causa dos militares. Podia... Mas para que servem eles hoje, depois da fuga de pé descalço que encetaram dos territórios ultramarinos, deixando para trás aqueles e aquilo que um dia juraram defender?...
Ademais, nunca pediram desculpas por tal acto aos portugueses, e querem continuar a ser tratados como se nada tivesse sucedido. N~qao me parece correcto.
Interessante ver o interesse que, só agora, alguns militares mostram pelos veteranos das guerras coloniais, infelizmente nunca os vi manifestarem-se a esse respeito.
Talvez não saibam ainda ao certo o que é espírito de camaradagem, talvez se percam ainda a olhar para os seus umbigos.
Teofilo M.
(Ex-militar/combatente sem pensão)
Só agora vi o seu texto e referência... Grato, uma vez mais.
Desta vez, apareceu-me lá um comentário deste militar a que diz dar destaque num post. Porém , queria saber se já tinha sido publicado noutro sítio para poder citar a fonte original. Deixei um comentário de resposta, mas não obtive resposta. Provavelmente, foi ali, na minha caixa de comentários, o primeiro sítio a aparecer. Ainda bem, no entanto, que O Sexo dos Anjos o publicou porque me parece esclarecedor.
Sobre esse assunto, disseram-me que o primeiro-ministro referiu no Parlamento alguns privilégios imorais de subsistemas de saúde da administração pública. Contudo, parece que se esqueceu do subsistema dos jornalistas (que nem são funcionários públicos...)
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