terça-feira, setembro 13, 2005

"Viagem a Granada", de António Telmo

Nas suas "Imagens de Literatura e Filosofia", no semanário "O Diabo", dedica-se hoje Pinharanda Gomes ao mais recente livro de António Telmo: "Viagem a Granada", editado pela Fundação Lusíada. Com um aceno a Estremoz, onde Telmo continua a viver sem que do seu valor se apercebam os homens comuns, e a Santo António dos Cavaleiros, onde o mesmo acontece a Pinharanda, reproduzo o artigo, tão cheio de evocações afectuosas para a filosofia portuguesa.

A(s) viagen(s) de António Telmo
UMA viagem é a unidade de vários percursos, aos quais costumamos denominar de viagens, por isso, o jogo com que construímos o título desta crónica, destinada a saudar mais um livro de António Telmo, - uma analecta de poesia, de filosofia, e de magia: «Viagem a Granada». Este título é o de uma das capitais reflexões contidas no volume, aliás vário e poligráfico. Granada, ainda que objectivamente como cidade, personagem do texto (uma novela de amor e de revelação lucífera) está aí como imagem ou símbolo de outro, e talvez essencial percurso de viagem: o achamento do Uno no múltiplo. Ao modo daquele texto da Cabala medieval, «O Jardim das Romãzeiras» ou granadas, essas mesmas que vieram a integrar a heráldica sacra de S. João de Deus, alentejano que em Granada achou o caminho e a luz. A romã simboliza por excelência a ordem cósmica, os grãozinhos juntos uns dos outros, como átomos comunicantes (em Leonardo Coimbra: mónadas com janelas) organizados em celas, ou células, tudo encerrado, no topo, por uma coroa real, como se a árvore das sefiras incarnasse na romã, fruto simbólico do universo, coroado pela Sabedoria do Criador.
É-nos impossível prosseguir sem expressarmos um lugar comum, que pode ser entendido como panegírico, mas que visa apenas dizer o que nem sempre terá sido dito: que, transitadas as presenças de Álvaro Ribeiro, de José Marinho e de Orlando Vitorino para outra esfera, António Telmo é hoje em dia o nosso mais completo, complexo, e influente filósofo. Outros aí estaremos, mas apenas como escrivães de cultura filosófica, prendados que não fomos pelo dom do olhar aprofundante que António Telmo recebeu. Dom esse que já fora notado num pequeno mas transparente escrito de quase estreia, «Arte Poética». Guardamos na memória dois adjectivos então escutados: que era um livro limpo e transparente (Álvaro Ribeiro) e que o autor procurava as ideias do alto, olhando as profundezas, como se ousasse ver o céu no espelho da terra (José Marinho).
A imagem de olhar em profundidade pode significar a contemplação no escuro, ou no oculto, em que o propósito é o de trazer à claridade, e não o de ocultar o oculto ainda mais. Por isso, sendo um pensador do esoterismo sacral, António Telmo não deve ser considerado um ocultista. Vive e pensa na perspectiva de ensinar e, como se torna óbvio, ensinar equivale a revelar, jamais a ocultar. Ele decifra a alma das palavras, reapresenta as na sua intimidade, e obtém caminhos de iluminação. A presença da filosofia da luz, tanto do arcaico Oriente como das teologias bíblicas e corânicas, torna apetecível a leitura das mediações do autor.
O presente volume é constituído por nove módulos. Abre com uma trilogia poética, revivescência de espíritos inspiradores (Leibniz, Gurdjief e o enigmático Tomé Natanael, heterónimo de Telmo?). O segundo módulo integra cinco exercícios sobre a Arte Poética (de salientar o relativo à teoria da Metáfora). No módulo que dá o título ao volume, além desse escrito (reflexão sobre a simbologia e a profetologia da Luz) uma introdução à teoria da imaginação de Álvaro Ribeiro, segundo quem nós pensamos as ideias por imagens. Outro módulo insere um conjunto de entrevistas concedidas a diversas publicações em diversos tempos, que resultam como formas ensaísticas dialogadas. Segue-se o que o autor denomina de Polémica sem Guerra. Cremos não ter havido polémica, mas significativo e útil diálogo entre ele e o transparente pensamento de Henrique Ruas acerca do conceito da Analogia em Leonardo Coimbra. «Teoria do Encoberto», junta seis estudos que fazem as divergentes confluir na convergente, aliás este grupo de ensaios poderia também titular o volume, pois nos parece nuclear quanto à aula acerca do exotérico e do esotérico e da tradição portuguesa do «Encoberto», com apelo a Sampaio Bruno e à sua analogia com o messianismo de Isaac Lúria, a José Marinho e a Afonso Botelho, a pretexto dos «Painéis» ditos de S. Vicente de Fora.
Álvaro Ribeiro devém, e de novo, tema do módulo sétimo, onde António Telmo aborda o pensamento ocultista e revolucionário de Álvaro, a sua teoria do amor e, por fim, o cabalista. Tema do oitavo módulo é Fernando Pessoa, em quatro excursos, dos quais damos preferência ao quarto, ou de como ensinar a História de Portugal, não pelos historiadores, mas pelo poeta e, neste caso, pela «Mensagem», na qual as crianças poderiam ser iniciadas ainda antes da puberdade, aprendendo a distinguir o simbólico (que é real) e o real (que é, por sua vez, simbólico). Então, o estudo da História consiste mais na aprendizagem dos valores do que na rememoração de factos.
O volume encerra com oito pequenos ensaios ou encontros do autor com gente que ele considera «notável», quer dizer, merecedora de ser notada. Não tem a ver com celebridade. Quatro clássicos: Marinho, Afonso Botelho, António Quadros e Dalila Pereira da Costa, e quatro novos, ainda que, a fechar, Telmo dedique o último encontro ao «grande solitário» da Arrábida, Rafael Monteiro, sábio deste mundo e dos mares deste mundo, e dos firmamentos que ele perscrutava, na sua monástica ascese lá do alto do Castelo de Sesimbra.
Como o leitor depreenderá por este rudimentar diorama, «Viagem a Granada» é uma obra incomum, diferente de quanto por aí se nos apresenta, e de muitos modos, uma obra situada na margem da cultura oficial e enfeudada. Uma obra de livre criatividade, uma viagem à Sapiência, para além do comum saber.

1 Comments:

At 8:20 da tarde, Anonymous Anónimo said...

«A História Secreta de Portugal», de António Telmo, continua a ser um livro obrigatório para os Portugueses que querem pensar pela sua cabeça, honrando os seus Antepassados.

 

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