segunda-feira, outubro 17, 2005

As eleições autárquicas em Évora

Tendo deliberadamente escolhido o silêncio sobre o decurso da batalha eleitoral para a Câmara de Évora, por razões pessoais, creio que é chegado o momento de tecer alguns breves comentários sobre os resultados da disputa.
Já passou muita água debaixo das pontes, e já é possível esperar dos interessados uma leitura mais distanciada e serena.
Em primeiro lugar: quem ganhou?
A resposta é óbvia, mas a verdade é que tem passado despercebida sob o ruído de fundo. Ganhou o PS, e muito especialmente o Dr. José Ernesto. Num contexto nacional em que o PS geralmente teve um fraco desempenho, perdendo para os seus concorrentes mais directos (fossem o PSD ou a CDU, conforme as zonas) num claro movimento de penalização das políticas governamentais, o PS neste concelho aguentou o primeiro lugar. Apesar do desgaste de uma gestão de quatro anos frequentemente errática, sem norte nem bússola, em que o descontentamento do eleitorado local com o executivo camarário era uma realidade inegável. Apesar de se apresentar a concurso com uma equipa de reservistas, em que ninguém com um mínimo de peso próprio quis acompanhar o presidente cessante, e de onde nomeadamente se riscaram todos os anteriores eleitos.
Nas circunstâncias existentes, tudo o que fosse manter a presidência da Câmara era uma vitória. Ora o Dr. José Ernesto safou-se. Manteve a presidência. Foi portanto o vencedor, e calculo que deve ter suspirado de alívio porque a certa altura nem mesmo ele já contava com isso.
Como é evidente, houve perdas. O PS perdeu uns milhares de votos em relação às eleições de há quatro anos. E perdeu a maioria absoluta, cedendo um vereador, o quarto, ao PSD. Mas a isto tem que responder-se que nas outras áreas do país o PS geralmente desceu muito mais; e sobretudo que é razoável pensar que o PS aqui só perdeu o que não lhe pertencia, ou seja nas eleições de 2001 tinha beneficiado da afluência de uns bons milhares de eleitores que só queriam ver-se livres do domínio comunista na Câmara, vigente havia mais de um quarto de século. Porém, e para além dessa motivação circunstancial, nada mais tinham que os prendesse ao PS - pelo que na primeira oportunidade regressariam à origem. Anormais foram, pois, os resultados do PS nas autárquicas de 2001 e nas legislativas de Fevereiro último.
Em resumo, a meu ver o PS ganhou as eleições - e dentro do PS quem as ganhou foi o Dr. José Ernesto (certamente contra alguns votos e desejos ocultos).
Depois, a CDU.
Do meu ponto de vista, o PCP foi o grande vencido da refrega eborense. E de tal modo que os seus adeptos ainda a esta hora estão notoriamente aturdidos, acabrunhados pelo inesperado dos resultados.
Com efeito, em quase todos os lugares de forte implantação comunista a CDU teve bons resultados, permitindo-lhe sair destas eleições como uma força vencedora. Em Évora tinham-se criado grandes expectativas de recuperação da Câmara, e os militantes foram crescendo em optimismo à medida que a campanha avançava. O trabalho no terreno foi profundo e tenaz, começou com grande antecedência, e mobilizou todos os meios disponíveis. Foi grande o investimento, e apesar das cautelas chegou praticamente a dar-se como certo o regresso à Câmara de Évora como uma das grandes vitórias, até pelo valor simbólico, para a CDU.
O cálculo era simples: o generalizado criticismo na cidade contra o executivo ernestino, a revolta contra as orientações da governação PS, o retorno a casa dos votos PSD e CDS que tinham dado a vitória a José Ernesto em 2001, tudo se conjugava para antever uma descida acentuada da votação PS no concelho. E a CDU nese caso ganharia, porque nem se punha a questão sobre a (ao menos) manutenção do seu eleitorado.
Todavia, o inesperado aconteceu. O PS efectivamente perdeu alguns milhares de votos, ma a CDU perdeu mais do dobro. O PS desceu, mas a CDU desceu muito mais. O PS perdeu um vereador, mas quem o ganhou foi o PSD. O PS perdeu a maioria absoluta, mas quem ficou em posição de lhe dar essa maioria negociando caso a caso foi o vereador do PSD. A surpresa foi tanto mais dolorosa quanto o afundamento eleitoral aconteceu em contra ciclo, numas eleições em que a CDU por quase todo o lado subiu. Além disso, é visível para quem analise os números que a queda eleitoral da CDU no concelho de Évora verifica-se em todas as mais próximas eleições autárquicas, de forma constante e regular. A cada quatro anos perdem mais uns milhares de votos. Não se trata de um movimento isolado, que se afigure reversível. É mesmo declínio, quase diria biológico. Não pode por isso atribuir-se essa derrota (apenas) ao desastre que foi o cabeça de lista, sendo embora verdade que a escolha acabou por comprovar-se eleitoralmente desastrada.
Tudo somado, os resultados da CDU em Évora foram um balde de água fria, um forte choque cujas repercussões psicológicas, a nível de desilusão e desmotivação, ameaçam aumentar a desagregação do que foi o PCP no concelho.
A quem se empenhou para que acontecesse o contrário, doeu muito observar este fenómeno. Ainda por cima quando não se pode ignorar que a única grande motivação de muitos dos votantes que permaneceram em José Ernesto foi evitar o regresso ao passado comunista - não conseguindo nenhum deles alinhar nenhum outro argumento a favor dessa opção, nem vislumbrar alguma virtude própria na candidatura para que se inclinou a sua decisão de voto.