terça-feira, outubro 25, 2005

O inimigo que sorri

O inimigo que sorri é o mais perigoso e letal.
As sociedades ocidentais tremeram durante muito tempo ante o espectro da revolução; o revolucionário, o homem da faca nos dentes, era o pesadelo que afligia o descanso dos bons pais de família.
Passadas as décadas, é razoável concluir que a essa ameaça a nossa civilização respondeu com apreciável vitalidade. Com mais ou menos milhões de mortos, hectolitros de sangue, guerras múltiplas e convulsões avulsas por todo o espaço a considerar, o certo é que as ditas sociedades sairam-se bem, progrediram materialmente, foram universalizando o seu modo de viver e estar.
Os atacantes é que perderam; decorridos os séculos XIX e XX, as figuras do anarquista que põe bombas a eito e mata governantes e padres ou do comunista que tenta trazer a ditadura do proletariado a tiro de canhão e vai enforcando de caminho os burgueses disponíveis só são localizáveis nas páginas dos romances ou nos filmes de reconstituição histórica.
Desapareceram; hoje ninguém vislumbra o esgar ameaçador da revolução sob os sorrisos de anúncio a pasta de dentes barata reluzindo nas faces bem tratadas de Blair, Guterres, Zapatero ou Schroeder, lembrando placard de esquina de supermercado.
A esquerda zangada morreu. Agora até o camarada Jerónimo segue fielmente o mandamento primordial - sorrir, sorrir sempre, mesmo a babar-se.
E todavia, aos venenos que lentamente se vão infiltrando no nosso mundo as mesmas sociedades, adormecidas no bem estar aparente e tranquilizadas pela harmonia obrigatória e a boa disposição politicamente correcta, estão a mostrar-se muito mais incapazes de encontrar respostas e de reagir em conformidade.
A anestesia geral, a impossibilidade de identificar os inimigos e de encarar as doenças, a alergia ao combate e a paralisação das defesas generalizada por uma espécie de SIDA mental, estão a conduzir as mesmas sociedades, que reagiram com vigor aos ataques frontais, a uma situação de existência comatosa, de incapacidade de reacção, que geram a prazo um perigo real de desintegração, de submersão, de dissolução, ou qualquer outra forma de extinção.
Apesar de um mau estar profundo se ir difundindo a todos os níveis, sob as tais aparências, sem que possa diagnosticar-se o mal nem procurar-se o remédio.
O inimigo que sorri é o mais difícil de combater.

12 Comments:

At 5:48 da tarde, Blogger Flávio Santos said...

Mas que belo texto. O Manuel em grande forma.

 
At 8:23 da tarde, Blogger vs said...

"...respostas e de reagir em conformidade."

Responder a quê e a quem?
Reagir a quê e a quem?

Só se for ao amplo campo dos 'Socialistas'.

"...desintegração, de submersão, de dissolução, ou qualquer outra forma de extinção."

Qual desintegração, qual submersão, qual extinção qual quê!!
Quando muito: mudança/transformação.

Já dizia o 'outro': 'todo o mundo é composto de mudança' e 'mudam-se os tempos, mudam-se as vontades'.

"Apesar de um mau estar profundo..."

Não o vejo em lado nenhum, a não ser em alguns eruditos ou em um ou outro comentador ou 'opinion maker' mais desabrido.
Saio a rua, viajo e constato: o pessoal está-se olimpicamente a borrifar p'ra tudo e mais alguma coisa.

Desculpe lá se não sinto os males do mundo 'nas costas' ou que o 'mundo me cai na cabeça'...mas não sinto...

...que é que quer que lhe faça?!?!

O mundo sempre teve os 'ingredientes' que hoje tem.
A única diferença é que hoje se sabe tudo muito depressa e há uma 'new awareness'.
Mais nada.

A 'esquerda zangada' morreu?!
Ainda bem.
A 'zangada' já foi.
A que ainda resta, lá irá ao fundo.

As peças de xadrez e a doutrinação faz-se a outrs níveis.
As Revoluções sempre viveram da juventude.
Hoje em dia, a juventude seria a ÚLTIMA a aderir a tal coisa.

Com particular ênfase nos últimos 16 anos, conseguiu-se 'injectar' na juventude novos quadros de valores, que fazem com que a juventude já não queira 'mundos novos' e 'amnhãs que cantam'.
Felizmente.

 
At 9:26 da tarde, Blogger Rodrigo N.P. said...

Gostei bastante deste texto, mas na análise não deixaria de incluir o inimigo que sorri da outra metade da barricada, aquela direita que me exaspera...Porque o problema não é só esta nova esquerda.O trajecto constrói-se para além da esquerda e da direita, pelo menos o meu.

 
At 9:54 da tarde, Anonymous Anónimo said...

La sonrisa de Zapatero es la mueca del mayordomo de Netol, es la mueca del Joker de Jack Nicholson en Batman, es la mueca de Mr. Bean....

 
At 12:27 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Excelentíssimo texto. Oportuno comentário do anónimo anterior que lembrou o tenebroso sorriso do criminoso Joker inimigo do Batman. Se a esquerda se zanga menos é porque é menos provocada. Toque-se-lhes na ferida e ficam absolutamente raivosos. Aqui na terreola fui quase insultado (e veladamente ameaçado) quando afirmei publicamente que me borrifava para a morte do Cunhal ainda que sem ajuizar das capacidades pessoais da personagem.
E a esquerda não é provocada porque as elites perderam qualidade moral e intelectual apesar da proliferação universitária (ou por causa disso). As elites apodreceram moralmente, perderam o empenho político, fugiram ou foram afugentadas para o mundo empresarial onde fazem vida precária, vivendo o presente intensamente, cínicos quanto ao futuro. As ideias de esquerda, primárias que são, fundadas na inveja, no rancor e no ódio aos melhores, encontram caminho fácil para o coração dos medíocres, ao contrário do ideário de Direita, elaborado, complexo, pouco acessível ao comum. Hoje, não temos, na Direita, nem chefes nem pedagogos. E o sentimento da gravidade é mal visto. Tudo cool, para uns coca-cola e batuque para outros BMW e vida social. Para quê gastar o miolo a procurar outros caminhos, arranjar inimigos? Banho quente, barba bem feita que o avião para Cancun ou Ibiza não espera! A isto se reduz a inteligência, hoje! Buiças felizes são a multidão de uma classe média atolada em simulacro nauseante. Provocar a esquerda? Pisar a víbora? Nem pensar!
Um abraço do João Baptista

 
At 6:07 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Joao Baptista = Homem sensato

 
At 6:44 da manhã, Blogger Paulo Cunha Porto said...

Grande diagnóstico, Caríssimo Manuel.
Por isso defendo, há muito, que a postura deve ser sorrir ainda mais do que eles, desarmá-los com o tom brincalhão que os faça julgar-nos inofensivos e, quando estiverem maduros, metamorfosear esse sorriso no riso demolidor capaz de os apear.
Assim disso sejamos capazes. É trabalho para, pelo menos, uma vida.

 
At 10:14 da manhã, Blogger vs said...

" Se a esquerda se zanga menos é porque é menos provocada."

Não.
Zanga-se menos porque tem que bater a bola baixinho por um lado e, por outro, porque as propostas esquerdistas falharam rotundamente porque são anti-naturais.

"As ideias de esquerda, primárias que são, fundadas na inveja, no rancor e no ódio aos melhores, encontram caminho fácil para o coração dos medíocres,..."

Correcto.
É por isso que, desde finais dos anos 70 e, com passo mais acelerado, a partir do glorioso ano de 1989, se têm incutido ideias bem melhores á rapaziada por esse mundo fora:

- competição
- glorificação dos mais fortes e mais aptos
- individualismo
- espírito capitalista

O trabalho começa, agora, a dar frutos.
Dentro de 5 a 10 anos estará completo.

"...coca-cola e batuque..."

Coca-Cola (a 'água suja do capitalismo', ahahah) gosto....de batuques, nem por isso.
Prefiro outras sonoridades.

"...para outros BMW..."

Prefiro as viaturas francesas, com destaque para os grandes Citroën.
Os carros alemães são duros de caraças e têm a graciosidade de uma tábua de engomar.
Aquela suspensão nem lembra nem ao diabo.

"Banho quente, barba bem feita..."

Algum problema?!

Típico dos revolucionários : por barbear e porcos.

"Buiças felizes..."

Não acredito na felicidade.
Isso é para os OTÁRIOS.
Existem alguns momentos bons...outros nem por isso.
Como Liberal, a minha postura nem sequer é pessimista, é negativista sobre a Humanidade.

"...classe média atolada em simulacro nauseante."

O que isso de classe média?!
Foda-se!

Não vivo atolado em nada...nem sequer em dívidas.

"Provocar a esquerda? Pisar a víbora? Nem pensar!"

Para quê?!
Este moribundo merece morrer de morte lenta e agonizante, soterrado em Neo-Liberalismo.

Eu conheço esquerdistas e divirto-me à brava com o sofrimento deles perante a vitória de algo que eles odeiam.

O 'vosso' inimigo não passa de uma entidade já imaginária.
Morta.
E quem lhe queira dar a estocada final não falta

 
At 11:47 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Zapatero = Peter Sellers in film "The Party", 1.966

 
At 1:12 da tarde, Anonymous Anónimo said...

A Zapatitos se le ha helado la sonrisa.....

 
At 3:58 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Um artigo de arromba!

 
At 5:47 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Retrato-me da crítica, quase ofensiva, ao Buiça. Essa dos Citroen grandes calou fundo em mim... pertenço ao clube... As minhas desculpas! 1989? Talvez. Mas sim, a esquerda tem de ser cautelosa, a táctica é outra, o poder definitivo nunca esteve tão à mão. Os rapazes sabem que têm de sorrir para a foto da História dos compêndios escolares, que a canção é a do bandido, que o conto é o do vigário, sorrir e dizer banalidades sem valor, estão no seu ambiente. Louvar a economia de mercado e, depois, pervertê-la, tal como os seus avós louvaram a liberdade e, em seu nome, tantos crimes cometeram. Não Buiça (desculpe tomá-lo como o bombo da festa e com o devido respeito o faço) o "nosso" inimigo não está morto. Mas já não lhe interessa pagar a meia dúzia de rapazes para irem para a rua incendiar carros e cabeças em nome de uma solução extrema, sim, é verdade, desacreditada. Essa foi a táctica que já deu os seus frutos. Acanalhou duas ou três gerações. Agora, a canalha está nos ministérios e nos conselhos de administração das "grandes empresas" desta alegre "economia mista." O nosso inimigo está bem vivo, lavou a cara mas continua feio.
Outra vez o João Baptista, desculpem lá a impertinência. A culpa é do Azinhal que nos estimula os neurónios...

 

Enviar um comentário

<< Home