quinta-feira, outubro 20, 2005

A substituição de Souto Moura

Ando a adiar há algum tempo umas considerações sobre a substituição de Souto Moura como Procurador-Geral da República, e resolvi que vai ser hoje.
Porque, apesar de ser constatável que o assunto desapareceu da ordem do dia, continuo convencido que não saiu da agenda. Aguardará a oportunidade, mas a hora há-de chegar.
Quando?
Se estou a ver bem, Sócrates deve ter pensado que os custos políticos eram agora muito elevados, e que não lhe convinha forçar demasiado. Por seu turno Sampaio está de saída, e já demonstrou que não lhe agrada a ideia de ser associado neste final de mandato a uma imagem de mero mandarete dos socialistas - como se viu no caso do referendo sobre o aborto, em que visivelmente decidiu empatar, para não dizer frontalmente não a algo a que até gostaria de dizer sim, mas evitou o papel de pau mandado a que o quiseram remeter, chutando o assunto para longe e para mais tarde.
Não quererá portanto fazer de Nobre Guedes assinando à pressa e no arrumar dos papéis uns despachos de favor.
Ora neste assunto da demissão do Procurador-Geral da República é indispensável um entendimento entre o Governo e o Presidente da República. Ou eu me engano muito ou Sócrates decidiu esperar porque achou mais sensato e vantajoso negociar com Cavaco.
E veremos então os termos da negociação.
Pelo que sei, estou certo que vão confrontar-se duas correntes que há muito se agitam nos meios que se têm preocupado com o assunto. Uma, mais radical, defende que não se pode perder a ocasião para assinalar claramente a supremacia do poder político, nomeando alguém estranho à magistratura. Poderá ser um advogado, um professor de Direito, um jurista conhecido - em todo o caso alguém de fora da carreira, e cuja nomeação tenha um significado iniludível quanto às mudanças que se desejam. Teríamos neste caso a nomeação de um "jurista de reconhecido mérito", como a lei permite. A outra linha entende que, embora sejam compreensíveis as razões dos teorizadores dessa ruptura, devem prosseguir-se os mesmos objectivos mas procurando minorar os custos, de preferência encontrando dentro da hierarquia alguém cuja fidelidade seja segura, e através de quem se possa gradualmente executar o programa de subordinação do Ministério Público ao poder político, sem começar pela humilhação desnecessária da instituição.
Para conhecimento dos termos da primeira proposta basta ler o que desde há bastantes anos tem vindo a escrever Proença de Carvalho, fazendo questão de dizer alto o que muitos murmuram em voz baixa. A segunda posição palpita-me que seja mais ao gosto do próprio Sócrates. Todavia, ambas terão defensores credenciados - e com grande influência tanto junto de Sócrates como no círculo de Cavaco. Ver-se-á qual das posições prevalecerá, o que depende de muitas circunstâncias dificilmente previsíveis.
Se prevalecer a via a que chamei menos radical, ou mais política, veremos a nomeação de um qualquer Procurador-Geral Adjunto da confiança e do círculo das amizades de Sócrates (há algum tempo atrás circulava entre a hierarquia do MP que estaria para ser nomeado Lopes da Mota). Se vencer a perspectiva maximalista, veremos aparecer um político de reconhecido mérito. Em qualquer dos casos, as transformações virão a seguir.

1 Comments:

At 1:57 da manhã, Anonymous Anónimo said...

O Sócrates tem telhados de vidro. Daí que tenha de substituir o actual PGR para satisfazer os do seu partido que o odeiam por considerarem ser ele o responsável por terem caído na praça pública - e alguns nos tribunais - acusados de crimes oprobiosos. Esses querem vingança e revanchismo. Sócrates preferirá, parece-me, satisfazê-los com a saída de Souto de Moura e a substituição deste por alguém que escute mais o poder político e lhe faça os fretes da ordem. Tudo isso só acontecerá com o próximo PR, que não está garantido que não seja Soares. E se for, os que foram entalados na rede pedófila do Estado, quer judicialmente quer na praça pública, terão direito à vingança e ao revanchismo.

 

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