terça-feira, novembro 22, 2005

Dois livros

De "O DIABO" de hoje:

(Dois breves apontamentos já que ambos me chegaram às mãos mesmo em cima da hora de alinhar esta prosa – que a gráfica não se compadece com atrasos, justificados ou não).

PEQUENO PRESÉPIO DE POEMAS DE NATAL
Oitenta e (mais cinco) consoadas da memória à mesa da solidão

NATAL D’EXÍLIO

Muito embora o meu destino se encontre à face
do fim,
Nesta hora o Deus-Menino mais uma vez nasce
em mim!

A mesma luz resplandece,
entre as mil-e-uma urtigas do meu horto.
— Mas é como se Jesus desta vez nascesse
morto!...

(Natal de 1974)

A um mês do Natal, surge um novo livro do nosso Rodrigo Emílio. O primeiro depois da sua morte mas tão vivo e nele tão presente que, por um segundo fugaz, penso poder revê-lo um dia destes. Porque o Rodrigo esteve sempre presente em mim, encontrando-nos e desencontrando-nos ao sabor das nossas vivências erráticas e pouco convencionais. Era sempre bom o reencontro mas um e outro tínhamos o cuidado de não invadirmos a nossa privacidade.
E preocupava-me vê-lo cada vez mais magro, cada vez mais negligenciado (de uma forma curiosa que não tocava a sua eterna elegância de “grand seigneur” cunhado pelo sangue e pela alma). Estava doente – viu-se quanto! – e nada fazia para atenuar o sofrimento, para atrasar a hora derradeira que o rosto estampava e que só o pudor escondia.
O Rodrigo – já aqui o disse, na hora do seu funeral – queria morrer: “Põe-se a mesa / de festa/ para a última (ou penúltima) ceia/ que me resta.”
De certo modo, morrera com a Pátria tal como a entendia. Católico fervoroso, estando-lhe vedado o caminho do suicídio, fez batota; uma batota um tanto irónica, um pouco fingida, não para enganar Deus mas, piscando-Lhe o olho, para Lhe pedir o perdão por se deixar morrer.
Mas adiante!
O livrinho que vai ser lançado no derradeiro dia deste mês agreste, no Círculo Eça de Queiroz, em Lisboa, traz-nos oitenta e cinco poemas de Natal do Rodrigo Emílio. Datados entre 1959 e 2003, têm ainda a virtude de ser quase todos inéditos. A iniciativa é da nova Editora Antília, criada, entre outros, pelo meu (e do Rodrigo), bom amigo Alberto Araújo Lima, que tudo tem feito para manter viva a chama do Poeta. A obra tem ainda a mais valia de um Prefácio dessoutro Poeta maior e também meu bom amigo, o António Manuel Couto Viana (que muito melhor do que eu vos sabe falar da grandeza do Rodrigo), e que este muito admirava.
Que vos posso dizer? Que os poemas agora publicados estão à altura dos melhores momentos do Rodrigo. E que os li com tanto agrado como dor porque neles sangra a alma lusitana do Poeta: “Hoje, dói-te/ — dói-te/ e faz-te mal,/ como relento/ de um açoite/ glacial,/ o advento/ de cada Noite/ de Natal...”
A solidão a que Rodrigo Emílio voluntariamente se submeteu na sua “casa eremitério” de Parada de Gonta fere-me a alma: “Meu Deus, aqui estou. E no mais não repares,/ por ser esta noite a Noite que é!/ Em versos Te rezo. E no mais não repares,/ por ser esta noite a Noite mais calma!/ — Conduz-me aos mais altos lugares/ da minha fé!/ — Conduz-me aos mais altos lugares/ da minha alma!”
Durante os anos que ali viveu, como um “ermitão jerónimo” achei (é o diabo sermos tão parecidos!) sempre que devia respeitar-lhe o exílio que, afinal, era um exílio de si mesmo. Ao ler a sua dor, a sua solidão, já não sei se fiz bem ou se, como outros amigos, deveria ter-lhe invadido as fronteiras mais inóspitas que erguera à sua volta. E o pior é já ser tarde para emendar a mão.
Consola-me apenas a certeza de que o Rodrigo continua vivo... e não só nos seus versos.

25 de NOVEMBRO de 1975
Os “Comandos” e o combate pela liberdade
O coronel Manuel Amaro Bernardo (outro amigo), tem vindo a dedicar-se a uma série de estudos rigorosos e bem documentados sobre a triste revolução que cavou a sepultura a Rodrigo Emílio e marcou dolorosamente a mim e a muito boa gente.
Desde o seu polémico “Os Comandos no Eixo da Revolução”, em 1977 editado quando as feridas ainda andavam em carne viva, o coronel Bernardo tem dado à estampa uma série de obras de mérito insofismável e de inequívoco interesse para que “a terra nunca esqueça”.
São dele, e sigo a badana deste livro, “Marcelo e Spínola, a ruptura”, “As Forças Armadas e a Imprensa na queda do Estado Novo”, “Portugal 1974-75”, “Equívocos e realidades; Portugal 1974-75”, “Combater em Moçambique – Guerra e descolonização; 1964-75” e “Memórias da revolução; Portugal 1974,75”. Em co-autoria com o Pil. Av. Cor. Morais da Silva, publicou ainda “Timor; Abandono e tragédia”.
Esta última obra, “25 de Novembro 1975 – Os Comandos e o combate pela liberdade” é também uma co-autoria, desta feita com o major Francisco Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia e com o sargento-mor “comando” Rui Jaime da Fonseca, volta ao tema da intervenção dos “comandos” no desenrolar das peripécias do 25 de Novembro quando o País e o poder andavam na rua ou pelas ruas da amargura.
Cumpre-me ainda referir tratar-se de uma bela edição da (minha) Associação de Comandos que contou com a colaboração, o profissionalismo e o bom gosto do (outro grande amigo), Vítor Luís. Dá gosto manusear um livro assim.
Não é este o momento para elaborar teorias acerca do 25 de Novembro. Quem tem tido a paciência de me ler, ao longo dos quase dez anos que levo de militância por este “Diabo” de bom porte e noutros jornais por onde peregrinei, sabe bem a minha opinião sobre mais essa golpada pós-abrilina. Se foi para recuperar a jovem e mui frágil democracia ou se alguns, como o Grupo dos Nove, usaram uma data de inocentes úteis, para levar a água ao seu moinho é coisa que de momento pouco importa. E não é essa, a opinião do coronel Bernardo nem dos seus companheiros desta aventura.
O que importa é que o livro, nas suas mais de quinhentas páginas, nos revela os bastidores das forças políticas e militares e a acção, de coragem singular, dos “comandos”, muitos deles já na disponibilidade mas que souberam dizer “presente” quando a sua consciência o determinou.
De realçar também, a inserção de catorze depoimentos de pessoas que estiveram “no eixo” desta revolução, golpe ou contra-golpe, conforme as perspectivas, que em muito valorizam a obra por derem testemunho de factos por elas vividas e que, em muitos casos, escaparam a terceiros.
Os depoimentos dos comandos, major-general Manuel Apolinário, major-general António Lourenço, coronel Jaime Neves, coronel Loureiro Cadete, coronel Ribeiro da Fonseca, comandante Vítor Ribeiro, capitão Sousa Gonçalves e sargento-mor Rui Fonseca, além dos de outros militares envolvidos, são da maior importância, até pelo “toque” humano dos seus testemunhos.
O que é certo, fosse o que fosse que estava em jogo, é que o 25 de Novembro acabou com a agitação anedótica de uma certa esquerda que com mais folclore do que eficácia causou todos os distúrbios que ficaram conhecidos como o “Verão Quente”.
E convém repor a verdade, deixar aos historiadores futuros documentos de trabalho honestos. Porque, e não resisto a citar aqui o general Tomé Pinto, no seu prefácio a esta obra, “Raramente vamos ao fundo das questões – é o “porreirismo nacional” –, somos emotivos, choramos com facilidade e depois da morte não há rapazes maus, como diria o Padre Américo. Aliás, isso ficou amplamente demonstrado no recente falecimento de dois dos mais importantes interventores no designado “Verão Quente” de 1975 – o Ten-General Vasco Gonçalves e o Dr. Álvaro Cunhal. A Comunicação Social ocupou imensas horas com o relato das suas vidas, quase esquecendo (branqueando) este doloroso período da nossa História recente.”
Só por isso, e há muito mais, este “25 de Novembro 1975” vale a pena.

WALTER VENTURA
(In «O Diabo», de 22.11.2005)

1 Comments:

At 1:52 da tarde, Anonymous Anónimo said...

existem nesta cidade de brandos costumes empresários da construção civil altamente afamados com a CME , que se dedicam nas horas livres e depois de limparem euros ao Estado através da venda de habitações através do pagamento com cheques ao portador , é isso , para pior dedicam - se ao tráfico de mulheres do Brasil , venda de G2 a Espanha ( material utilizado nos atentados em Madrid ) e tráfico de armamento para o Quénia .

Acredite , tal como acreditamos nos abusos sexuais a crianças ...

 

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