quarta-feira, novembro 30, 2005

Pornojornalismo e pornogovernação

A crise da imprensa escrita traduz-se noutros indicadores que não apenas as tiragens e a publicidade. Cada vez mais os custos de produção têm que ser assegurados por receitas que noutros tempos teriam sido consideradas infamantes e condenariam sem remissão quem a elas recorresse.
Cresce também a circulação de profissionais entre as redacções e os gabinetes do poder, político e económico, abundando os assessores, adjuntos, especialistas de imagem e comunicação, que num dia estão no jornal, no outro estão a trabalhar para um notável qualquer e no seguinte regressam à redacção. Intensificam-se as ligações e a promiscuidade. Os políticos, ou simplesmente os poderosos, precisam de se vender às massas, e os vendedores habilitados vendem-se-lhes por seu turno, assegurando empregos junto deles como chefes de vendas.
Multiplicam-se assim os exemplos de jornalismo de frete e encomenda, os títulos de aluguer que ganham à bandeirada como os táxis.
Estive a ler uma peça publicada hoje na revista "Sábado" dedicada ao Ministro Correia de Campos, chamada precisamente de "Perfil de Correia de Campos". É um exemplo lamentável do que não há muitos anos só seria admissível, quando muito, num encarte publicitário devidamente identificado, e agora aparece vulgarizado como prática de jornalismo que se pretende sério.
O trabalho é também significativo do clima e da mentalidade que dominam actualmente as altas esferas governamentais e as suas câmaras de repercussão jornalísticas, sob outros aspectos. Sublinho o título escolhido, a acompanhar a fotografia de um Correia de Campos sorridente e orgulhoso: "O ministro que os médicos odeiam".
Para quem nos governa e para os seus escribas assalariados, agora a definição de um bom Ministro da Saúde está nisto: "o ministro que os médicos odeiam". De igual modo, um Ministro da Educação de sucesso é "a ministra que os professores detestam". E um Ministro da Justiça brilhante é "o ministro que os magistrados não podem nem ver". E um excelente Ministro da Defesa é "o ministro que os militares querem ver pelas costas". (Só não pode é haver ministros que os jornalistas não gostem).
Generalizou-se a nível da governação esta prática e esta convicção de que hostilizando alguém se consegue sempre a aprovação de muitos outros, e que o desagrado dos destinatários é um bom indicador do acerto das medidas.
Como elemento fundamental para o êxito da estratégia, calculada em termos de efeitos eleitorais, está o discurso contra os privilegiados, repetido exaustivamente pelos próprios protagonistas da governança e pelos seus papagaios de serviço nos grandes meios de formatação da opinião pública.
A um observador atento, ressaltaria a evidência de até agora nunca se ter visto nem ouvido o tal discurso contra os privilegiados senão na boca de quem tem como seguras situações bem mais abonadas do que aquelas que aponta como escândalo - e nem aceita a hipótese de abandonar o estatuto.
Mas a generalidade dos destinatários da mensagem não são observadores atentos, e o essencial lá vai passando - mesmo que seja o absurdo de ver gente que se reforma com quatro anos num cargo, acumulando ainda os demais, a arregalar os olhos de indignação com a perspectiva de outros se reformarem com trinta e seis anos de trabalho.
Enfim, nada admira já neste país que tanto precisaria de homens por inteiro, e onde só proliferam os homens a dias e as mulheres a noites.

1 Comments:

At 1:10 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Luto com o Tempo, que me não dá tempo, para em oportuno tempo vos visitar.
Por isso venho, reconhecidamente, agradecer aos que passam e comentam nos meus blogs.
Também quero saudar os que, talvez como eu, não tenham tempo para me visitar.

Abraços para todos

 

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