Cavaco e as direitas
“A eleição de Cavaco, com a estúpida expectativa que suscitou, vai provavelmente dividir a direita e até, em princípio, o PSD. Não se imagina a direita que vai votar no mito de Cavaco a viver com a realidade de Cavaco.”
Eis a sentença de Vasco Pulido Valente que despertou as reflexões de Cruz Rodrigues, a que já fiz referência.
A esse propósito deixei o desafio a que se imagine mesmo, visto que todas as previsões apontam para o cenário da eleição.
Não pretendo furtar-me eu próprio ao exercício de imaginação, mas confesso à partida que este me parece extremamente desinteressante. Eu não partilho nenhumas expectativas estúpidas.
A direita portuguesa vai viver com Cavaco o que já viveu com Eanes. Primeiro vai levá-lo em ombros, um ano depois vai andar por aí a rilhar os dentes e a gemer "não era isto!".
E no entanto o homem não engana ninguém, como Eanes não enganava. Têm muito em comum, como os dois já descobriram. Ambos julgam que ser sério consiste em rir-se pouco e padecer de falta de imaginação, os dois pensam que ser culto traduz-se em condecorar saramagos no Dia de Portugal, um e outro acreditam que a função presidencial é servir de sentinela ao que está.
Os caminhos posteriores provavelmente serão diferentes (onde Eanes acabou lançado num infeliz projecto partidário, convencido de que assim servia e repunha a pureza do regime, conspurcada por Soares, Cavaco pode bem acabar como cão de guarda da estabilidade governamental, assegurada pelo Sócrates em funções), mas nada que releve para este efeito.
Cavaco como Eanes são personalidades formatadas pela mesma crença de que o equilíbrio está nas formas.
A direita inquieta e irrequieta, insatisfeita e inconformista, cedo se verá às turras com Cavaco.
Haverá outra que não deixará de o cortejar, e se baterá por um lugar na corte. Mas esta é aquela que sempre o faria, e fizesse ele o que fizesse, e fosse ele quem fosse. É aquela direita que - acredito sinceramente - em situação dilemática preferiria deitar fora os dedos para guardar os anéis.
1 Comments:
Penso que é a melhor reflexão sobre as presidenciais e a direita que já li...
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