quarta-feira, dezembro 07, 2005

Cavaco à vista

O acontecimento político do dia foi o anúncio do apoio de Veiga de Oliveira à candidatura de Cavaco Silva.
O episódio por si só diz mais sobre a mentalidade de Cavaco e de muitos que o rodeiam do que as inúmeras análises produzidas pelos bestuntos iluminados de todos os nossos especialistas de ciência política.
Um octogenário trôpego, sem qualquer relevância política, nem notoriedade pública alguma, subscreveu a lista de apoiantes de Cavaco.
O candidato, embevecido, lá estava a recebê-lo pessoalmente, anulando não sei quantos compromissos em agenda. Os assessores, vaidosos, apressaram-se a chamar as televisões, e a espalhar a feliz novidade por tudo quanto é sítio.
Para a posteridade e para as câmaras exibiram-se o candidato e os ajudantes, radiantes com a distinção, agradecidos e honrados perante o inesperado apoiante.
O site do candidato logo deu relevo à notícia.
Como explicar tão inusitada como despropositada agitação?
Nenhumas razões técnicas podem ser apontadas como justificativas. O apoiante não traz nada à candidatura. Ninguém o conhece, e a ninguém influencia. Não é dos que dão dinheiro, nem parece que seja dos que trazem votos.
Não existe então explicação para tão desproporcionada atenção, tanta deferência e tanta vénia face a tão anódino personagem?
Infelizmente, existe. Existe e é bem simples.
O motivo que levava Cavaco e seu séquito a babarem-se à uma e a mostrarem triunfalmente o velhote na televisão está, tão somente, na circunstância de este ter sido em tempos um comunista importante.
O homem foi uma data de anos membro do comité central, foi deputado e vice-presidente da bancada parlamentar do PCP, foi por duas vezes ministro cunhalista.
Para aquela gente, Cavaco e seus próximos, o apoio dele é uma espécie de caução moral, um certificado a atestar que também estão no lado certo da humanidade. Hoje vão dormir mais contentinhos e orgulhosos.
Tudo está na admiração e no fascínio que o PCP e o comunismo continuam a exercer entre a classe política instalada.
Ser comunista, ou ao menos ter sido, é uma recomendação que abre todas as portas: para os reflexos condicionados da casta, um personagem desses é alguém que até pode ter umas quantas ideias que não se podem partilhar e estão um tanto ultrapassadas mas é sempre indiscutivelmente um idealista ou um cavaleiro andante, um combatente das causas nobres, um herói de romance e um lutador generoso e aventureiro - em todo o caso, uma autoridade moral.
Perante qualquer figurão de curriculum bem vermelho dobra-se, venerador e obrigado, o aspirante à glória e aos cargos políticos da nossa terra. A vermelhidão basta para assinalar um grau superior na escala moral e intelectual, e face a isso transborda a veneração e a reverência da classe político-jornalística.
Este é o fenómeno crucial para entender o que se vai passar com Cavaco na presidência, e que já tem sido assinalado noutros lados e com relação a outros.
Trata-se do conhecido paradoxo aparente de com frequência alguns políticos ganharem eleições com os votos da direita para depois exercerem o cargo respectivo colando-se às políticas da esquerda.
Chamo-lhe paradoxo aparente porque na verdade não há paradoxo nenhum: simplesmente esta direita não tem autonomia mental para se guiar por quadros próprios. Continuará sempre a deixar-se conduzir pela visão do mundo que conhece, e que lhe é fornecida de bandeja pelos aparelhos de produção e controle ideológico existentes.
Uma atitude livre e descomplexada perante a cosmovisão esquerdista será sempre impossível enquanto a presença na vida política pressupuser essa aceitação tácita da superioridade moral e intelectual desta e dos seus representantes.
Como se viu ainda há pouco na cumplicidade palerma e bajuladora frente a Manuel Alegre, como se observa nesta cena com Veiga de Oliveira, Cavaco não é homem para dar o salto. Ele e a sua Maria são duas cabeças cuja forma mentis não permite ilusões sobre o que dali sairá. Ela irá para a presidência declamar Sophia, e ele para tentar desbloquear... a embrulhada em que Sócrates está metido.

11 Comments:

At 2:31 da manhã, Blogger Rodrigo N.P. said...

Permita-me:"E mai nada!"

O diagnóstico está completo, só não vê quem não quer.

 
At 2:36 da manhã, Anonymous Anónimo said...

No inconfundível estilo simples e directo de Manuel Azinhal, ficou tudo dito. Mais uma análise brilhante da actualidade política.

 
At 10:41 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Amigo Azinhal, me ha defraudado su post. De Rebatet y de Buiça ya nada bueno se espera....¡Pero usted!

 
At 12:46 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Excelente artigo! Esse provincianismo mental das nossas elites, fabricadas nas escolinhas do 'estado', que nunca nos abandona. O candidato de Boliqueime, estava bem.Mas ele prefere ser o candidato de Montechoro! Não há nada a fazer.
Interregno(JSM)

 
At 1:52 da tarde, Anonymous Anónimo said...

O pior ainda é o cavaquinho ter vergonha do PSD, deste PSD honesto e com escrúpulos, ao contrário dos canalhas corridos ao longo dos últimos anos do partido, oportunistas do poder e dos negócios do grande capital económico que se prepara para assaltar o Estado e a gestão dos seus interesses (opus dei do millenium, BNC e outros tropelistas). Estão todos preparados para voltar?
É esta a malta que o cavaco quer colocar no poder para os próximos anos? Os das negociatas e do tráfico de influência e de interesses? Aí vêm Dias Loureiro e Miras Branquinho à carga. Desviem-se que esta merda vai toda para o penico ...

 
At 1:55 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Citando em post anterior de Azinhal, que diz, com toda a razão: "Haverá outra (Direita) que não deixará de o cortejar, e se baterá por um lugar na corte. Mas esta é aquela que sempre o faria, e fizesse ele o que fizesse, e fosse ele quem fosse. É aquela direita que - acredito sinceramente - em situação dilemática preferiria deitar fora os dedos para guardar os anéis."
Só resta acrescentar que é a dos incompetentes e oportunistas.

 
At 8:32 da tarde, Anonymous Anónimo said...

En España criticamos- injustamente- al buen juez Garzón. En Portugal criticais- injustamente- al buen gobernante Cavaco Silva. Conclusión : nadie es profeta en su tierra.

 
At 8:58 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Está enganado caro compañero: ninguém está a criticat cavaco, mas sim os qeu o reodeiam. Curiosamente, parece ter sido esse o justificativo do seu tabu de há 10 anos e o mal de todas as suas desgraças, segundo versão do próprio. Agora já são bons essessenhores que o "obrigaram" a ir-se embora do Governo? Porquê? estão mais velhos? Também mais refinados.

 
At 12:15 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Caro Azinhal
Parabens pelo seu notável post.Cavaco não presta e, por mim, fico em casa no dia 22 de Janeiro.
Quanto ao comentador espanhol, mandam as boas-maneiras,manda Aljubarrota e manda 1640 que se abstenha de dar palpites em casa alheia.

 
At 1:30 da manhã, Blogger vs said...

" De Rebatet y de Buiça ya nada bueno se espera....¡"

COMO OUSA?!?!?!!?

 
At 12:35 da manhã, Anonymous Anónimo said...

A Direita ficou sem candidato nestas presidenciais. O Cavaco traz consigo o pior do PSD. A necessidade de se dizer de 'minimamente de esquerda' face à esquerda e de se afirmar de direita, à boca mais pequena, quando lhe convem... Uma indigna tristeza...

Chegámos ao ponto ridículo de ser um candidato de esquerda o único que se diz patriota e defensor dos nossos valores

Um abraço,
Francisco Nunes

 

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