Cavaco à vista
O acontecimento político do dia foi o anúncio do apoio de Veiga de Oliveira à candidatura de Cavaco Silva.
O episódio por si só diz mais sobre a mentalidade de Cavaco e de muitos que o rodeiam do que as inúmeras análises produzidas pelos bestuntos iluminados de todos os nossos especialistas de ciência política.
Um octogenário trôpego, sem qualquer relevância política, nem notoriedade pública alguma, subscreveu a lista de apoiantes de Cavaco.
O candidato, embevecido, lá estava a recebê-lo pessoalmente, anulando não sei quantos compromissos em agenda. Os assessores, vaidosos, apressaram-se a chamar as televisões, e a espalhar a feliz novidade por tudo quanto é sítio.
Para a posteridade e para as câmaras exibiram-se o candidato e os ajudantes, radiantes com a distinção, agradecidos e honrados perante o inesperado apoiante.
O site do candidato logo deu relevo à notícia.
Como explicar tão inusitada como despropositada agitação?
Nenhumas razões técnicas podem ser apontadas como justificativas. O apoiante não traz nada à candidatura. Ninguém o conhece, e a ninguém influencia. Não é dos que dão dinheiro, nem parece que seja dos que trazem votos.
Não existe então explicação para tão desproporcionada atenção, tanta deferência e tanta vénia face a tão anódino personagem?
Infelizmente, existe. Existe e é bem simples.
O motivo que levava Cavaco e seu séquito a babarem-se à uma e a mostrarem triunfalmente o velhote na televisão está, tão somente, na circunstância de este ter sido em tempos um comunista importante.
O homem foi uma data de anos membro do comité central, foi deputado e vice-presidente da bancada parlamentar do PCP, foi por duas vezes ministro cunhalista.
Para aquela gente, Cavaco e seus próximos, o apoio dele é uma espécie de caução moral, um certificado a atestar que também estão no lado certo da humanidade. Hoje vão dormir mais contentinhos e orgulhosos.
Tudo está na admiração e no fascínio que o PCP e o comunismo continuam a exercer entre a classe política instalada.
Ser comunista, ou ao menos ter sido, é uma recomendação que abre todas as portas: para os reflexos condicionados da casta, um personagem desses é alguém que até pode ter umas quantas ideias que não se podem partilhar e estão um tanto ultrapassadas mas é sempre indiscutivelmente um idealista ou um cavaleiro andante, um combatente das causas nobres, um herói de romance e um lutador generoso e aventureiro - em todo o caso, uma autoridade moral.
Perante qualquer figurão de curriculum bem vermelho dobra-se, venerador e obrigado, o aspirante à glória e aos cargos políticos da nossa terra. A vermelhidão basta para assinalar um grau superior na escala moral e intelectual, e face a isso transborda a veneração e a reverência da classe político-jornalística.
Este é o fenómeno crucial para entender o que se vai passar com Cavaco na presidência, e que já tem sido assinalado noutros lados e com relação a outros.
Trata-se do conhecido paradoxo aparente de com frequência alguns políticos ganharem eleições com os votos da direita para depois exercerem o cargo respectivo colando-se às políticas da esquerda.
Chamo-lhe paradoxo aparente porque na verdade não há paradoxo nenhum: simplesmente esta direita não tem autonomia mental para se guiar por quadros próprios. Continuará sempre a deixar-se conduzir pela visão do mundo que conhece, e que lhe é fornecida de bandeja pelos aparelhos de produção e controle ideológico existentes.
Uma atitude livre e descomplexada perante a cosmovisão esquerdista será sempre impossível enquanto a presença na vida política pressupuser essa aceitação tácita da superioridade moral e intelectual desta e dos seus representantes.
Como se viu ainda há pouco na cumplicidade palerma e bajuladora frente a Manuel Alegre, como se observa nesta cena com Veiga de Oliveira, Cavaco não é homem para dar o salto. Ele e a sua Maria são duas cabeças cuja forma mentis não permite ilusões sobre o que dali sairá. Ela irá para a presidência declamar Sophia, e ele para tentar desbloquear... a embrulhada em que Sócrates está metido.
11 Comments:
Permita-me:"E mai nada!"
O diagnóstico está completo, só não vê quem não quer.
No inconfundível estilo simples e directo de Manuel Azinhal, ficou tudo dito. Mais uma análise brilhante da actualidade política.
Amigo Azinhal, me ha defraudado su post. De Rebatet y de Buiça ya nada bueno se espera....¡Pero usted!
Excelente artigo! Esse provincianismo mental das nossas elites, fabricadas nas escolinhas do 'estado', que nunca nos abandona. O candidato de Boliqueime, estava bem.Mas ele prefere ser o candidato de Montechoro! Não há nada a fazer.
Interregno(JSM)
O pior ainda é o cavaquinho ter vergonha do PSD, deste PSD honesto e com escrúpulos, ao contrário dos canalhas corridos ao longo dos últimos anos do partido, oportunistas do poder e dos negócios do grande capital económico que se prepara para assaltar o Estado e a gestão dos seus interesses (opus dei do millenium, BNC e outros tropelistas). Estão todos preparados para voltar?
É esta a malta que o cavaco quer colocar no poder para os próximos anos? Os das negociatas e do tráfico de influência e de interesses? Aí vêm Dias Loureiro e Miras Branquinho à carga. Desviem-se que esta merda vai toda para o penico ...
Citando em post anterior de Azinhal, que diz, com toda a razão: "Haverá outra (Direita) que não deixará de o cortejar, e se baterá por um lugar na corte. Mas esta é aquela que sempre o faria, e fizesse ele o que fizesse, e fosse ele quem fosse. É aquela direita que - acredito sinceramente - em situação dilemática preferiria deitar fora os dedos para guardar os anéis."
Só resta acrescentar que é a dos incompetentes e oportunistas.
En España criticamos- injustamente- al buen juez Garzón. En Portugal criticais- injustamente- al buen gobernante Cavaco Silva. Conclusión : nadie es profeta en su tierra.
Está enganado caro compañero: ninguém está a criticat cavaco, mas sim os qeu o reodeiam. Curiosamente, parece ter sido esse o justificativo do seu tabu de há 10 anos e o mal de todas as suas desgraças, segundo versão do próprio. Agora já são bons essessenhores que o "obrigaram" a ir-se embora do Governo? Porquê? estão mais velhos? Também mais refinados.
Caro Azinhal
Parabens pelo seu notável post.Cavaco não presta e, por mim, fico em casa no dia 22 de Janeiro.
Quanto ao comentador espanhol, mandam as boas-maneiras,manda Aljubarrota e manda 1640 que se abstenha de dar palpites em casa alheia.
" De Rebatet y de Buiça ya nada bueno se espera....¡"
COMO OUSA?!?!?!!?
A Direita ficou sem candidato nestas presidenciais. O Cavaco traz consigo o pior do PSD. A necessidade de se dizer de 'minimamente de esquerda' face à esquerda e de se afirmar de direita, à boca mais pequena, quando lhe convem... Uma indigna tristeza...
Chegámos ao ponto ridículo de ser um candidato de esquerda o único que se diz patriota e defensor dos nossos valores
Um abraço,
Francisco Nunes
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