Facas longas
Vi no Telejornal: o cenário era a Assembleia da República, e os protagonistas eram Duarte Lima e Ricardo Rodrigues, cada um deles rompendo com prolongado período de cautelas e discrição.
O bombo da festa era a Justiça (com mais rigor, as magistraturas). Duarte Lima sugere "que seja repensada uma nova composição para os conselhos superiores do Ministério Público e da Magistratura", de modo a dotar estes órgãos de "uma legitimação democrática alargada e independente"; Ricardo Rodrigues compreende perfeitamente, e concorda em nome da bancada do PS. Duarte Lima propõe que a matéria de escutas telefónica passe a "ser fiscalizada por um órgão independente, eleito pelo Parlamento"; Ricardo Rodrigues, pelo PS, não quer outra coisa e acha uma ideia genial.
A generalidade dos deputados, sobretudo do PSD, do PS e do BE, aplaude: segundo dizem as notícias "Duarte Lima mereceu um aplauso entusiasmado do PSD, PS e BE" (TSF).
Por outras palavras: as ideias de constituir uma comissão de políticos de carreira para fiscalizar e controlar as investigações criminais sensíveis e de dominar por dentro os órgãos de gestão e disciplina das magistraturas, segurando nas mãos todos os poderes em matéria de classificações, inspecções, movimentações, promoções, disciplina e controle dos magistrados - são achados que a classe política aclama em delírio.
Ao mesmo tempo, a suprema inutilidade da nação alvitrou hoje que era tempo de o Supremo Tribunal de Justiça passar a ser ocupado por juristas das mais diversa áreas; traduzindo do politiquês, isto é uma ideia que por aí circula já há certo tempo e que significaria que o STJ passasse a ser um feudo de políticos travestidos em juizes, seguindo o modelo do Tribunal Constitucional, vedando-o sobretudo aos juizes de carreira. E acrescente-se que nos meios políticos que a têm defendido essa composição deveria ser a de todos os Tribunais superiores, quer dizer os Tribunais da Relação. Por essa forma teríamos uma organização judiciária em que todos os recursos seriam decididos por Tribunais preenchidos com pessoal de reconhecida lealdade política. Tásse mêmo a ver, não tásse? Quanto aos juizes propriamente ditos, os que entraram por concurso e se vincularam à carreira, nunca passariam da primeira instância. A isto se tem chamado sem ironia entre esses reformistas iluminados de "carreira plana".
Dizendo por palavras simples: juiz de Fornos de Algodres, enquanto não extinguirem a comarca, poderá ser qualquer um; juiz das Relações ou do Supremo só poderá ser quem a AR e o Governo quiserem. Puxem pela imaginação...
Os ingénuos que não entendem o que aqui tenho procurado transmitir - a grande preocupação da casta política dominante não é que a Justiça não funcione, é que ela funcione - ficam aqui com assunto para pensar.
Os que têm acompanhado as minhas reflexões sabem que nada disto me surpreende. O que mesmo assim me causou espanto foi a identidade dos protagonistas de mais este avanço ofensivo.
Duarte Lima e Ricardo Rodrigues! O que seria deles se a Justiça fosse eficaz e funcionasse...
A generalidade dos que lhes bateram palmas sabe perfeitamente o que a minha pergunta significa. Mas não julguem que isso os perturba: ao contrário, aumenta-lhes a certeza de que é preciso controlar os riscos, e acentua-lhes a sensação de urgência na acção.
Para os meus leitores amigos, deixo só um desabafo: as coisas não são tão más como eu as pinto, muitas vezes são piores - eu é que não sei ou não posso pintá-las com inteiro realismo.
Termino com uma síntese: a crise da Justiça não é para a classe no poder um mal indesejado que eles olham com sofrimento e se esfalfam por nos resolver, como frequentemente representam nos discursos; é um resultado procurado e querido de sectores cada vez mais alargados de gente que se alarma com a simples perspectiva de que a Justiça possa ir além das injúrias de saguão e da zaragata de taberna.
O bombo da festa era a Justiça (com mais rigor, as magistraturas). Duarte Lima sugere "que seja repensada uma nova composição para os conselhos superiores do Ministério Público e da Magistratura", de modo a dotar estes órgãos de "uma legitimação democrática alargada e independente"; Ricardo Rodrigues compreende perfeitamente, e concorda em nome da bancada do PS. Duarte Lima propõe que a matéria de escutas telefónica passe a "ser fiscalizada por um órgão independente, eleito pelo Parlamento"; Ricardo Rodrigues, pelo PS, não quer outra coisa e acha uma ideia genial.
A generalidade dos deputados, sobretudo do PSD, do PS e do BE, aplaude: segundo dizem as notícias "Duarte Lima mereceu um aplauso entusiasmado do PSD, PS e BE" (TSF).
Por outras palavras: as ideias de constituir uma comissão de políticos de carreira para fiscalizar e controlar as investigações criminais sensíveis e de dominar por dentro os órgãos de gestão e disciplina das magistraturas, segurando nas mãos todos os poderes em matéria de classificações, inspecções, movimentações, promoções, disciplina e controle dos magistrados - são achados que a classe política aclama em delírio.
Ao mesmo tempo, a suprema inutilidade da nação alvitrou hoje que era tempo de o Supremo Tribunal de Justiça passar a ser ocupado por juristas das mais diversa áreas; traduzindo do politiquês, isto é uma ideia que por aí circula já há certo tempo e que significaria que o STJ passasse a ser um feudo de políticos travestidos em juizes, seguindo o modelo do Tribunal Constitucional, vedando-o sobretudo aos juizes de carreira. E acrescente-se que nos meios políticos que a têm defendido essa composição deveria ser a de todos os Tribunais superiores, quer dizer os Tribunais da Relação. Por essa forma teríamos uma organização judiciária em que todos os recursos seriam decididos por Tribunais preenchidos com pessoal de reconhecida lealdade política. Tásse mêmo a ver, não tásse? Quanto aos juizes propriamente ditos, os que entraram por concurso e se vincularam à carreira, nunca passariam da primeira instância. A isto se tem chamado sem ironia entre esses reformistas iluminados de "carreira plana".
Dizendo por palavras simples: juiz de Fornos de Algodres, enquanto não extinguirem a comarca, poderá ser qualquer um; juiz das Relações ou do Supremo só poderá ser quem a AR e o Governo quiserem. Puxem pela imaginação...
Os ingénuos que não entendem o que aqui tenho procurado transmitir - a grande preocupação da casta política dominante não é que a Justiça não funcione, é que ela funcione - ficam aqui com assunto para pensar.
Os que têm acompanhado as minhas reflexões sabem que nada disto me surpreende. O que mesmo assim me causou espanto foi a identidade dos protagonistas de mais este avanço ofensivo.
Duarte Lima e Ricardo Rodrigues! O que seria deles se a Justiça fosse eficaz e funcionasse...
A generalidade dos que lhes bateram palmas sabe perfeitamente o que a minha pergunta significa. Mas não julguem que isso os perturba: ao contrário, aumenta-lhes a certeza de que é preciso controlar os riscos, e acentua-lhes a sensação de urgência na acção.
Para os meus leitores amigos, deixo só um desabafo: as coisas não são tão más como eu as pinto, muitas vezes são piores - eu é que não sei ou não posso pintá-las com inteiro realismo.
Termino com uma síntese: a crise da Justiça não é para a classe no poder um mal indesejado que eles olham com sofrimento e se esfalfam por nos resolver, como frequentemente representam nos discursos; é um resultado procurado e querido de sectores cada vez mais alargados de gente que se alarma com a simples perspectiva de que a Justiça possa ir além das injúrias de saguão e da zaragata de taberna.
4 Comments:
En Caminha siempre hubo muy buenos jueces
En Caminha si, pero en Portugal se van marchando.
A lucidez do costume!
Mas eles não desistem de tranmsformar a Justiça em livro de bolso.
Parabéns e não pode desistir de denunciar a nomenclatura em manobras.
"Juiz em Fornos de Algodres, enquanto nao extinguirem a comarca"
ainda bem que se refere embora noutro contexto ao encerramento de comarcas, creio que ninguem com sentido comum comungue da ideia da extincao por exemplo de uma comarca, cujo edificio foi construido a cerca de meia duzia de anos. E esta a descentralizacao que este governo pretende?
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