sexta-feira, janeiro 27, 2006

Mais uma achega para a história do nacional-sindicalismo

Continuando a série, publico hoje um artigo de Barradas de Oliveira surgido no semanário "A Rua" a 27 de Dezembro de 1979 (n.º 185).
Chamo a atenção dos leitores habituais para dois pormenores para mim da maior importância para o tema genérico em questão.
O primeiro é a afirmação peremptória de que os homens mais marcantes na criação do nacional-sindicalismo foram António Pedro e António Tinoco.
Neste ponto sempre foram insistentes as testemunhas que tenho chamado a esclarecer o caso, Dutra Faria e Barradas de Oliveira (com alguma modéstia, visto que também a si mesmos podiam ser tentados a atribuir esses méritos, dado que qualquer deles tinha tido presença importante no grupo inicial). Nunca ouvi nada nem ninguém que desmentisse que assim foi. A historiografia oficial que aponta Rolão Preto guia-se por critérios compreensíveis, mas superficiais. Para quem ignora, por fora das coisas é que elas são. Basta ver umas fotografias e uns jornais. Para quem sabe, por dentro das coisas é que as coisas são.
Posteriormente, os caminhos da vida de qualquer desses homens haviam de ser variados, e diversos. Mas isso não altera a verdade de uma época.
Realço ainda o pormenor de António Lepierre Tinoco ser o único estudante de Direito do grupo fundador do semanário "Revolução" (curso que aliás não viria a acabar). Talvez assim se explique o intrigante equívoco de nas obras mais divulgadas sobre o nacional-sindicalismno se encontrar repetida a informação de que os estudantes do grupo eram "quase todos estudantes de Direito". Em todo o caso, um não pode confundir-se com quase todos. A formação marcante era a de Letras. E se fosse prestada atenção a este facto seria mais fácil estabelecer a ligação com outros acontecimentos importantes da nossa vida intelectual dese tempo, como tinha sido o "Manifesto Contra a Literatura de Sodoma" e as polémicas daí surgidas, à roda de António Botto, em que se envolveu Fernando Pessoa.
O segundo ponto que queria sublinhar relaciona-se com a actividade intelectual de António Pedro e o seu pioneirismo na revelação em Portugal de certas correntes artísticas, de um modo que é totalmente ocultado nas versões usuais. Também já aludi a isto: para sustentar uma falsidade que consiste em atribuir os louros ao autodenominado "Papa do surrealismo" (na verdade Papisa, para saber mais exacto) é vulgar encontrar a história contada atrasada uns anos - de forma a empurrar os primórdios lá para 1940. Dá-se sempre o aparecimento em Portugal do surrealismo e correntes estéticas a ele ligadas como tendo ocorrido quando Mário Cesarinny de Vasconcelos o decobriu. Ora o certo é que quando a Maria Cesarina aí chegou (quem lhe chamava assim era o Jorge de Sena, que até era correlegionário dele, correlegionário político, que não nas paneleirices) já iam longe as primeiras aparições e tentativas artísticas dessas correntes em Portugal. Neste artigo, Barradas de Oliveira menciona o facto a propósito da pintura de António Pedro. Podia ter lembrado as experiências literárias, nomeadamente as vindas de António Pedro com Dutra Faria e Ramiro Valadão, creio que em 1934, seguindo o modelo conhecido por "cadavre exquis" - coisa estranha e nunca vista em Portugal.
Chega, por hoje, que amanhã também é dia. Aqui fica o "António Pedro e a política". (Se alguém conhecer os Drs. João Medina e António Costa Pinto, façam favor de lhes levar o texto)

António Pedro e a política
Estou a vê-lo na sala de actos da velha Faculdade de Letras, belo e terrível como um deus pagão, com a imponência e a força de sua alta estatura, o cabelo loiro quase encrespado, zupando a cavalo marinho os seus adversários comunistas e democratas.
Era em 1931. António Pedro conquistara já como poeta um nome que o tornara respeitado, mas o que nele predominava era uma ânsia de realização quase ilimitada, o que havia de colidir fortemente com uma variada riqueza espiritual a tentá-lo a dispersar-se pela poesia, pela política, pelo jornalismo, pela pintura, pela cerâmica, pela indústria, pelo comércio, pelo teatro. A par disso, uma originalidade que não afectava o seu extremado bom gosto e os encantos de conversador excepcional, com ampla compreensão dos homens e dos factos, capacidade superior de rir e de admirar e o segredo de discorrer multiplicando-se em observações inesperadas.
O deus pagão, educado pelos jesuítas em La Guardia, donde aliás fora expulso pela sua rebeldia natural, seria mais tarde, na variedade e requinte dos seus dotes de inteligência e de sensibilidade, um autêntico príncipe do Renascimento.
Andam agora a exaltar-lhe os méritos artísticos, esquecendo o António Pedro que expôs numa galeria de arte da Rua Ivens, em Junho de 1936, as suas primeiras expressões de pintura abstracta. E que pela mesma época publicava em Lisboa a tradução do “Manifesto do Dimensionismo”; corrente de arte moderna pouco antes surgida em Paris e encabeçada por um grupo de artistas de que faziam parte um inglês, um norte americano, um chileno, um russo, um polaco, um catalão, um húngaro e um português. Era este António Pedro, que havia trocado as soturnas aulas da Faculdade de Letras pelos estudos de Estética na Sorbonne.
Essa corrente artística, que muitos críticos confundiam com o Surrealismo, do qual seria já uma fase de ultrapassagem, foi a primeira manifestação de arte abstracta havida como tal entre nós. Além de erro histórico, pratica injustiça quem a esqueça em benefício de alguns pretensos inovadores que só apareceram bastantes anos mais tarde.
Mas voltemos ao deus pagão que em 1931 assentava as vergalhadas do seu cavalo marinho nos lombos dos adversários políticos.
António Pedro era nacionalista militante. O seu espírito de inconformismo activo levou-o a publicar nesse ano, com a direcção conjunta de Dutra Faria, um semanário de que saíram apenas nove números. Depois faz na Liga Nacional 28 de Maio uma conferência: "Esboço para uma revisão de valores".
No ano seguinte, alargada a equipa do semanário, é um dos cabeças do grupo de estudantes que se atiram à publicação de um diário académico nacionalista da tarde, que viria a ser um êxito. A tal ponto que os moços lhe suprimiram o atributo de “académico” e chamaram para a sua direcção uma pessoa mais velha e de nome político já consagrado: Rolão Preto.
Poucos meses depois, o jornal - de que António Pedro foi o primeiro chefe de redacção -, era ponto de partida de um movimento político onde eram evidentes as simpatias pelo Fascismo: o Nacional-Sindicalismo.
Na criação deste movimento há dois nomes a fixar, pela sua maior vinculação à iniciativa e ao processo organizativo: o de António Pedro e o de um estudante de Direito, António Tinoco, notável pela intuição política e pelas excepcionais qualidades de acção.
Tem-se levantado por vezes a questão de ter sido ou não o Nacional-Sindicalismo um movimento fascista. Há quem diga que sim, e quem diga que não, e todos se firmam em argumentos consideráveis. Independentemente disso, certo é terem sido precisamente aqueles dois e, entre os "velhos", Alberto de Monsaraz -- os de maiores simpatias pelo Fascismo. Um por motivos estéticos acima de tudo, outro pelas razões de revolucionarismo social. Curiosamente, anos depois do malogro do movimento e da convulsão política da Europa, e embora de relações cortadas, ambos caíram no Socialismo. Tinoco chegaria mesmo a fazer parte do directório do partido. Depois, as desilusões afastaram-no da acção política. Regressou ao fogo do Catolicismo em que se educara e que foi o grande lenitivo na terrível doença que o levou. Morreu como só morrem os santos.
O Pedro, esse foi levado pela sua rebeldia permanente, dada, acima de quaisquer outros factos, a incompatibilidade do seu comprimento de onda espiritual com a fria determinação de Salazar. Firmou-se numa oposição que era ainda a do revolucionário do tipo de exaltação fascista, contra o homem que teimava em não ser chefe de um partido, mas governante de uma nação que tem de se defender e perdurar, para além das ilusões e até das justas discordâncias de uma geração insatisfeita.
Essencialmente artista, o Pedro reagia como tal. Lembro-me de uma noite em que recolhíamos a casa, subindo a pé, lentamente, as ruas da encosta do Castelo. À porta da sua casa, então na Rua de S. Mamede ao Caldas, costumávamos ficar horas em despreocupada cavaqueira. Pois nessa noite dizia-me ele com um sorriso de resignação:
- Sabe que este Salazar conseguiu ir fazendo de mim, cada vez mais, esta coisa vexatória: democrático! Veja lá: democrático! ...
Evidentemente que não era democrático no sentido ideológico, se não apenas na reacção sentimental. Nem podia ser de outra forma o aristocrata do espírito e o jornalista que tinha escrito no jornal "Revolução", entre tantas dezenas de artigos, a série de "Os Sete Pecados Mortais da Democracia". Eram estes:
A soberba individualista;
A avareza capitalista;
A luxúria das palavras;
A ira revolucionária;
A inveja democrática;
A gula do orçamento;
A preguiça constitucional.
Diga-se de passagem que esta série de artigos ganhou, decorridos quarenta e sete anos, uma actualidade flagrante. Algumas vezes me tenho quedado a pensar como a inveja, principalmente a inveja, tem sido, ao longo de tanto processo revolucionário, a grande mola em que os ardores do idealismo não passam de mascarada.
E certo é que da fase pró-democrática de António Pedro não ficou nada de comparável aos seus artigos tão vibrantes e tão inteligentes dos anos 30 e ao magnífico “Poema de Exaltação Nacional Sindicalista”, já conhecido dos leitores de '”A Rua".
BARRADAS DE OLIVEIRA

1 Comments:

At 3:13 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Parece-me que está ser um pouco injusto com o Costa Pinto. Não tenho aqui o livro comigo, mas penso que todos esses nomes (Pedro, Tinoco, Pyrrait, Dutra Faria) são referidos como fundadores do "Revolução" e, portanto, do N/S.

NC

 

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