quarta-feira, janeiro 25, 2006

Recordando Antunes Varela


Passados que são mais de dois meses sobre a morte de Antunes Varela, verifico que, para além de umas pequenas locais que assinalaram o facto em um ou dois diários nacionais, nada apareceu a lembrar e a homenagear o mais importante juscivilista de língua portuguesa do século XX.
Talvez porque a circunstância de alguém ser de outra estatura incomode insuportavelmente os instintos democráticos das massas, e de todos os anões que se encavalitam para fazer que são gente na vida pública, João de Matos Antunes Varela passou silencioso e desapercebido.
Nem os seus conterrâneos de Avis, as suas gentes do Ervedal, lhe dedicaram ainda a evocação merecida.
Nem os meus amigo do Verbo Jurídico, o melhor portal português sobre coisas do Direito, mesmo sabendo-se todos mais ou menos devedores de Antunes Varela (como qualquer um que tenha estudado Direito em Portugal nos últimos sessenta anos) tomaram ainda a iniciativa de o evocar em termos condignos. Esmagada pelo imediato, a Justiça esquece-se de fazer Justiça aos seus.
Só no Boletim da Ordem dos Advogados encontrei três artigos a recordar o homem, o advogado, o professor.
Transcrevo o primeiro, de Luís Bigotte Chorão. E terei que voltar ao assunto.

Antunes Varela - Testemunho Breve de uma Relação Profunda
Escritas poucas horas após a sua morte, estas breves palavras evocativas do Doutor Antunes Varela serão, inevitavelmente, tocadas pela emoção, tantos e tão fortes são os vínculos de vária ordem que me ligam à sua pessoa. Mas não será por isso que elas deixarão de procurar expressar com sincera e rigorosa objectividade os meus juízos e sentimentos, à margem da retórica que frequentemente inquina os elogios fúnebres.
Lembro o Doutor Antunes Varela como professor de Direito. Tive a fortuna de ser seu aluno em Direito Processual Civil. Já acostumado a ouvir referências muito elogiosas ao talento pedagógico do Mestre – meu Pai fora seu aluno em Coimbra, pude, por experiência própria, comprovar a razão de ser dessa fama. As lições escritas e orais do Professor Antunes Varela primavam, efectivamente, pelo rigor da argumentação e pela harmonia do estilo. Com os mais áridos e complexos temas processuais, Antunes Varela, compunha um discurso admirável na clareza e na eficácia.
Mas, fora dos muros da Faculdade, muitas foram as ocasiões em que pude apreciar as suas qualidades de jurisconsulto e de advogado, vendo-o discorrer com mestria sobre questões jurídicas práticas. Mesmo quando, porventura, houvesse razões para questionar alguma tese, impressionava a sua erudição e experiência e o engenho da dialéctica.
Constituiu para mim um raro privilégio ter o Doutor Antunes Varela como patrono no estágio de advocacia. Recordo esse tempo com saudade; foi-me então proporcionada a oportunidade de muitos diálogos que se libertaram, não raro, das matérias profissionais para enveredarem, pela história, designadamente do Estado Novo e da política da Justiça, de que ele foi responsável ministerial durante mais de uma década. Vi-o defender com especial ardor a sua obra como codificador do Direito Civil e exprimir o receio de que ela fosse sacrificada.
Por minha parte, manifestei-lhe reservas quanto a opções do Estado Novo no campo da Justiça e levei ao seu conhecimento alguns textos pessoais sobre essa problemática. Dessas nossas conversas ficaram apontamentos diversos e correspondência do ilustre professor, que entendeu por bem, nalguns casos, expressar-me formalmente as suas ideias, num diálogo que muito me honrou. Guardo a memória de uma forte personalidade e firmeza nas convicções, que nunca cercearam a sua receptividade, nem inibiram a minha franqueza. Certamente um dia se justificará dar a conhecer esses documentos, quem sabe, num estudo sobre a sua acção à frente do Ministério da Justiça.
As relações académicas, culturais e profissionais com o Professor Antunes Varela foram sempre impregnadas pelo calor de uma cordial amizade que uniu as nossas famílias. Apraz-me salientar, a este respeito, uma nota que constitui um sinal inequívoco da autêntica e leal amizade: sei, por conhecimento directo e indirecto, como o Doutor Antunes Varela se empenhava em fazer o elogio dos amigos a se solidarizava e alegrava com os seus êxitos.
São certamente naturais e legítimas as divergências relativamente às opções religiosas ou políticas do Doutor Antunes Varela, bem como as disputas no plano científico. Isso, porém, não deve impedir-nos da justiça elementar de reconhecer a elevada estatura e os méritos incontestáveis desta figura da vida nacional. A mais condigna homenagem que se pode prestar à sua memória consiste em estudar a sua obra e, na medida do possível, investigar e divulgar, com adequado critério historiográfico, o seu valioso espólio documental, imprescindível à compreensão de mais de meio século da vida política e jurídica do nosso país.
Luís Bigotte Chorão
(14-11-2005)

3 Comments:

At 12:15 da manhã, Blogger Je maintiendrai said...

Justo e oportuno.

 
At 9:25 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Castán Tobeñas

 
At 1:51 da manhã, Blogger cerveira said...

É uma honra ainda poder estudar pelos seus manuais.. Sem duvida um grande sabio...

 

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