quarta-feira, fevereiro 08, 2006

A análise de Gramsci

Primeiro que tudo algumas referências biográficas:
António Gramsci nasceu na Sardenha em 1891. Chegou a Turim em 1911, tendo aderido primeiro ao partido socialista, depois ao partido comunista, sendo um dos seus membros proeminentes nos anos vinte. Nessa altura, logo após a revolução bolchevista de 1917, a Internacional comunista enfren­tará numerosas crises. Lenine, o que primeiro decidiu apressar as cisões entre os partidos socialistas europeus e sociais­-democratas, em 1921, avançou com uma política de Frente Popular, a qual ele considerou então como a única capaz de refrear o progresso da «reacção».
No partido comunista italiano, estes volte-face origi­naram uma disputa entre Gramsci, membro do executivo do Komintern desde 1922, e Bordiga que queria recusar qualquer colaboração com os «sociais-traidores» ou seja «sociais-democratas». Esta crise caseira do partido teve consequências sérias. Eleito deputado em 1924, Gramsci, 2 anos depois ganhou a aceitação das suas teses e tornar-se-á Secretário-Geral do PCI. Mas já era tarde. Afastado do seu eleitorado, exausto pelas lutas internas, vítima da ascensão do fascismo, assim como das crises do partido comunista, Gramsci é preso e, depois, transferido para a ilha de Utica e condenado a vinte anos de prisão.
É na sua cela que ele se irá dedicar a um profundo estudo da Praxis Marxista-Leninista e, além disso, às causas do falhanço socialista-comunista nos anos 20. Porque vem a consciência dos homens atrás do que a sua «consciência de classe» lhe possa sugerir?
Como podem as classes sociais dominantes, em minoria, submeter «naturalmente» à sua autoridade as classes dominadas, em maioria? Estas são, entre muitas outras. as questões que vêm à mente de Gramsci. Tais são as questões a que ele irá tentar responder, estudando mais atentamente a noção de ideologia e estabelecendo a distinção definitiva e clássica, de ora em diante, entre «Sociedade Política» e «Sociedade Civil».
Por «sociedade civil» (este termo já tinha sido usado por Hegel. embora Marx o criticasse) Gramsci entende todo o sector "privado” isto é, os campos cultural, intelectual, religioso e moral, enquanto manifestações no sistema da burocracia, do corpo jurídico, administração, serviços públicos, etc. O grande erro dos comunistas, diz Gramsci, foi acreditar que o Estado era apenas um simples instrumento político. Actualmente, estados estabelecem consensos, ou seja, governam, não só através da sua organização política, mas também através de uma ideologia implícita, baseada em valores estabelecidos, considerados como «Going without saying» pela maioria do povo. Este instrumento «civil» inclui a cultura, as ideias, a moral, as tradições e ainda o senso comum.
Em todos estes campos, não directamente políticos, um poder está a trabalhar e o Estado depende também dele: é o poder cultural. Noutros termos, o Estado não exerce a sua autoridade apenas pela coerção. Além da sua domi­nação pela autoridade directa, comando que maneja através do poder político, também beneficia, graças à existência e actividade do poder cultural, de uma espécie de «hegemonia ideológica» e adesão espontânea da maioria das mentes, na concepção das coisas, no modo de ver o Mundo, o qual o fortalece e, ao mesmo tempo, o justifica nos seus próprios temas, valores e ideias. (Esta distinção não está muito longe da que foi feita por Louis Althusser entre «sistema repressivo do Estado» e «instrumentos ideo­lógicos do Estado»). Nesta, diferenciando-se de Marx, que reduzirá a «sociedade civil» simplesmente à sua subestru­tura económica e à contradição entre forças de produção e estruturas de apropriação de capital, António Gramsci tem a consciência perfeita (sem contudo estar suficiente­mente claro que a ideologia se encontra intimamente ligada às mentalidades - isto é, à constituição mental dos povos) de que é nesta «sociedade civil» que são trabalhadas, divul­gadas e multiplicadas as diferentes concepções do Mundo, filosofias, religiões, explícitas ou implícitas; o consenso social depende de todas estas formas para dominar, forta­lecer-se e sobreviver. Assim, colocando a sociedade civil ao nível da superestrutura, somando-lhe a ideologia, à qual pertence, Gramsci fará a distinção, dentro do Mundo Ocidental, entre duas formas de superestrutura: por um lado. a sociedade civil, do outro a sociedade política (ou o «Estado» propriamente dito). Enquanto que, no Oriente, o Estado é tudo, sendo a sociedade civil «primitiva e gela­tinosa», nos países ocidentais, especialmente nas socie­dades modernas onde o poder político é informe, a entidade «civil» - a mentalidade da época, o espírito do tempo ­possui um lugar proeminente. E foi este lugar proeminente que os partidos comunistas dos anos 20 não compreenderam. Assim, não o levarão verdadeiramente em conta ao conceberem as suas estratégias. Neste sentido, eles foram desencaminhados pelo exemplo de 1917: porque se Lenine conseguiu manter o poder, conseguiu-o (entre outras razões) porque na Rússia não havia praticamente uma sociedade civil.