E a corrupção?
Por maior que seja a displicência do olhar, ela existe. E quando menos se espera salta novamente para as primeiras páginas.
Ao que disse agora um dos Sá Fernandes, falando da sua experiência recente, a naturalidade com que tudo se passa não permite duvidar da habitualidade.
Parece-me incontestável a relevância dos desenvolvimentos mais recentes e o caso agora em destaque possui uma força demonstrativa a que não é possível fechar os olhos.
A ser como contam os irmãos Sá Fernandes, um rico construtor civil ofereceu 200.000 euros para obter do vereador a conduta necessária a defender os interesses da sua empresa, a Bragaparques.
Os contactos meteram o irmão advogado, e os dois denunciaram os factos ao MP que tratou de gravar as comunicações telefónicas entre as partes e registar os encontros respectivos.
De acordo com o relato não parece ter sido difícil a tarefa, dada a descontracção e a confiança do corruptor.
O assunto é muito interessante a vários títulos.
Vou fingir que nem reparo no papel do Dr. Ricardo Sá Fernandes, a fazer de agente infiltrado. Será facto para registar, e lembrá-lo quando eventualmente num dos próximos processos em que seja advogado de defesa venha a arguir a nulidade dessas práticas.
O mais importante parece-me ser isto: a ser como eles contam, os irmãos Sá Fernandes comunicaram um crime de corrupção que estava em curso e as entidades policiais sob a direcção do MP puderam alcançar a necessária prova. Por meio de vigilâncias com captação de imagens e da intercepção de comunicações, nomeadamemte telefónicas. Tudo meios de investigação e de obtenção de prova que necessitaram de prévia autorização judicial . Todo um procedimento que teve que decorrer em poucos dias.
Vem a propósito recordar que ainda há pouco tempo a Assembleia da República se levantou para aplaudir de pé a proposta do deputado Duarte Lima de restringir o uso desses instrumentos aos chamados "crimes de sangue" (onde obviamente eles têm um escasso campo de aplicação).
Estivesse consagrada na lei essa posição, e o que aconteceria neste caso? Nem valia a pena denunciar a abordagem. Tudo ficaria numa situação de dize tu direi eu, é a minha palavra contra a tua, e o arguido presume-se inocente.
Nos meios políticos circula outra proposta, notoriamente mais política do que a de Duarte Lima mas que conduziria ao mesmo resultado: é a criação das famosas "comissões" para controlar as possibilidades de "escutas telefónicas".
Estivesse em vigor o regime sugerido por estes comissionistas, e o caso seria mais subtil: não havia qualquer proibição de utilizar esses meios invasivos da privacidade, mas certamente o pedido de autorização ainda andaria por aí pelos corredores a aguardar a análise da comissão.
Penso que os leitores estarão a entender as consequências práticas destas discussões teóricas.
E volto a lembrar o comentário da Dra. Maria José Morgado a que eu próprio acrescentei o meu, que aliás provocou forte indignação e incómodo em certos sítios: a classe política parece muito pouco sensibilizada para estas questões da corrupção...
Ou estará mesmo muito sensibilizada para o problema: segundo afirma peremptoriamente no Expresso, onde eu li estas coisas todas, o ilustre marido da Dra. Maria José Morgado, Dr. Saldanha Sanches, são certas e próximas as reformas na legislação processual penal que a curto prazo terão como efeito inviabilizar a investigação criminal por muitos anos.
Se ele o diz, ele saberá porquê. Perguntem-lhe a ele, que é uma fonte normalmente bem informada. Eu não sei de nada.
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