segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Guerras “religiosas”, não obrigado!

Segue-se o prometido artigo de Jaime Nogueira Pinto, publicado no sábado passado no Expresso. Um tanto fora do tom dos "moinhos de orações" que os ventos da época agitam incessantemente, mas há que creditar isso a seu favor. Comentários, só depois de ler - SFF.

Um tempo «pós-moderno» que quer acabar e acha que acabou com a religião, que desconstrói os mitos e os símbolos, que dessacraliza e desencanta o mundo e a História, não ao modo dos grandes revoltados, de Sade a Nietzsche e Marx, mas de uma forma pícara, ordinária, patética de pensadores «soft», de sibaritas pedófilos, de humoris­tas boçais, vê-se, de repente, confronta­do com o «choque das civilizações».
E que civilizações? O cliché dos fazedo­res de «opinião» direitinhos é de um lado a civilização esclarecida, aberta, democrática com todos os «valores bons» - o humanismo laico, a democracia participativa, a cidadania vigilante, os direitos do homem! E do outro os fanáticos do mundo árabe, mergulhados na Idade Mé­dia, no obscurantismo, na religião, governados por autocratas, a queimarem bandeiras da UE, a apedrejarem consulados, de barbas, mal vestidos, aos gritos de Alá é grande!
Contente, o comentador de serviço arranja os bons, os maus e os vilões da história:
Os bons são os progressistas de todos os quadrantes, que têm o valor de não ter valor nenhum, que absolutizam o relati­vo, que não acreditam em nada. Mas in­comodam-se por o Papa mandar na Igreja, por os «gays» não poderem adoptar, por o Inferno se manter.
Os maus são os tais árabes tradiciona­listas, religiosos, nacionalistas e todos os povos que ainda não abraçaram o modo de vida preconizado pelos bons.
Finalmente, os vilões, os piores de todos, são os ocidentais - americanos, eu­ropeus, católicos, protestantes, agnósti­cos - que não seguem o pronto-a-pen­sar humanitário e globalizante do «só é proibido proibir». Os que entendem que para haver civilização e política - que vêm de cidade («civitas», «polis») - é pre­ciso haver valores objectivos, mitos e ri­tos, convicções, hierarquias, fronteiras, exércitos. E que dizem que a utopia liber­tária é a receita para os demagogos, para a anomia, para o vale tudo e para a tira­nia que se lhe segue.
Mas a História não é um filme cor-de-rosa em que o que vem é sempre melhor que o que foi, como julgam os que se admiram de os Romanos pensa­rem e terem água corrente, acham que a razão começou no mundo com Voltaire e a Revolução Francesa e em Portugal com os capitães de Abril e o dr. Soares. Para trás, só trevas!
Os crentes no Deus do Livro - cris­tãos, muçulmanos, judeus - têm um sen­tido do sagrado que é, coerentemente, o seu primeiro valor. Respeitam e amam Deus sobre todas as coisas e os valores – políticos, de família, de amizade, de solidariedade - são uma continuação dessa ligação ao divino. Por isso, uma ofensa à religião como representar Deus, Cristo ou Maomé gro­tescamente, é uma ofensa pessoal ao que têm de mais querido.
No Ocidente, a separação do Estado e da Igreja, do político e do religioso, vem da Reforma e da construção do Es­tado moderno, ficando o poder político desligado do poder espiritual como con­dição da paz civil. Foi assim de Nantes a Vestfália e até hoje. E demo-nos bem com a receita.
Mas a descristianização na Europa e o «progressismo» secularizante querem transformar a Igreja numa espécie de Li­ga do bem-fazer ou agência humanitária tipo UNESCO, retirando-lhe o seu pa­pel de mediadora do sagrado, entre a Ter­ra e o Céu. Para isto contam também a falta de coragem e os complexos de mui­tos cristãos. O que não se passa nos Esta­dos Unidos, nem nas igrejas novas das Américas e de Africa ou nas igrejas perseguidas e de missão das comunidades mi­noritárias na Ásia.
No mundo islâmico, o renascimento religioso, aliado a um sentimento político de nacionalismo defensivo e solidário - na linha dos Irmãos Muçulmanos - está a levar ao poder grupos como o Hamas, com que os ocidentais vão ter que contar.
Porque a partir do fenómeno árabe corânico - das cidades da Síria e do Ié­men e do nomadismo do centro da Península arábica - floresceram culturas fortes militarmente, que fundaram impé­rios, que chegaram à Península Ibérica, que tiveram a sua tecnologia e a sua lite­ratura. A decadência política dos Esta­dos islâmicos, a partir do século XVIII incapazes de enfrentar a dinâmica políti­co-militar ocidental, é sentida pelas no­vas elites do mundo islâmico, como um estigma a superar. A ideia de que os oci­dentais lhes querem impor os seus «não-valores», o secularismo e o hedonis­mo das massas que é o consumismo, tor­na-nos odiosos aos seus olhos!
Não percebemos estas reacções, por­que no Ocidente nos habituámos a dei­xar agredir os nossos valores cristãos naqueles «media» públicos, pagos (tam­bém) com os nossos impostos, ou, iro­nia suprema em Portugal, num canal originalmente católico, onde hoje num programa de «soft-porno», a despropósito, se faz uma palhaçada patética do Pai Nosso!
Não podemos deixar que as manipula­ções da rua árabe - orientadas por radi­cais cínicos sem crença alguma - e as provocações dos fundamentalistas laicos do Oeste, nos envolvam, a cristãos e muçulmanos, numa guerra religiosa.
Os que temos fé – e aqueles que não a tendo, têm o sentido do sagrado e do respeito pelo sagrado dos que estão connosco nesta «civitas», que é o mundo – não nos podemos deixar, como nos Balcãs, arrastar para uma guerra “religiosa” provocada e chefiada por ateus!

4 Comments:

At 5:26 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Já não leio o Expresso. Felizmente aqui neste blog pude ver escrito pela pena do JNP exactamente o que penso sobre este tema da guerra dos cartoons. Trinta anos volvidos e o homem, com os defeitos que por vezes a nossa impaciência descortina no percurso da sua vida, continua a conseguir traduzir com brilhantismo aquilo que pensam os que nos formamos na leitura da Política e do Futuro Presente.

 
At 9:21 da tarde, Blogger Flávio Gonçalves said...

Observador, já foi à sinagoga hoje?

 
At 10:53 da manhã, Anonymous Anónimo said...

O que é que isso vem a propósito?

E o padraic, já foi à mesquita hoje?

Só os ateus e os judeus é que são anti-islão, é?

 
At 3:33 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Há que respeitar os valores sagrados dos outros e não enfileirar atrás dos arautos da liberdade de expressão sem peias nem limites. É por causa desta que gramamos com um padre nosso dedicado aos rabos que a TVI, num arrobo de imbecilidade provocatória, há uns tempos difundiu. Entre esses "ocidentais" e um árabe sinceramnete crente no profeta prefiro este último. Isso não me torna menos nacionalista. De resto, antes da ideia de Pátria vem a de Deus na trilogia das minhas devoções.

 

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