sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Os meus bilhetes

Caro Rui:
A “direita indígena” não se encontra em nenhuma "situação larvar”. Fosse assim e todas as esperanças seriam possíveis: até uma linda borboleta podia sair da metamorfose.
Não é o caso: não há larva, nem casulo, nem a bicha me parece estar em desenvolvimento.
Também não será certo dizer que o estado é comatoso, e muito menos crer que o animal está morto.
O que se passa então? Eu acredito que é antes um problema de arrumação. Relaciona-se com móveis, e está aflorado no teu artigo, onde se fala de “engavetamento”.
Não penso no entanto que se trate apenas de uma questão de gavetas. Parece-me mais apropriado falar em armários.
Quero eu dizer que as direitas, sujeitas durante muitos anos à pressão da ditadura intelectual das esquerdas, e posteriormente à intimidação terrorista do pós-revolução, criaram o hábito de meter no armário o que eram, ou aquilo que se acreditava que eram.
E com o tempo o hábito entranhou-se. Até porque muitos acabaram por fazer vida disso.
Agora, quando eu ingenuamente pensava que toda ela estivesse saturada do armário, sem poder mais com a claustrofobia, verifica-se ao contrário que a criatura se apegou a esse modo de vida, e não quer outra coisa.
Caia-se na asneira de a chamar para a luz do sol ou puxar para o ar livre, e ei-la que se revolta e desata a gritar pela cabeça do desavergonhado desestabilizador, lançada logo numa impiedosa dança do escalpe.
O que pede é que a deixem estar; entre as ideias e a vida, o que interessa é a vida.
Na verdade nem sequer subsistem razões para o alarme: na maior parte dos casos o tempo decorrido parece ter desfeito o que havia. Abrem-se os armários e já não há lá nada.
Mesmo assim, o reflexo é de pânico: que ninguém se atreva a abrir os armários!
Vejam-se as reacções destrambelhadas ao “Sexo dos Anjos”, vindas de pessoas que eu até pensava estar a lisonjear, e logo se entende a força que tem a inércia do “complexo do armário”.
Desta forma, entre o que se arrumou nas gavetas e o que se escondeu nos armários, pouca coisa ficou de fora para mostrar uma presença “de direita”.
O que, na verdade, também não parece incomodar muita gente.
Dito isto, que talvez pareça não se relacionar imediatamente com “o problema da oposição e o estado de graça do governo”, pode facilmente chegar-se também a estes: tudo está na indistinção entre uma e outro, na comunidade de vida que se gerou e se tornou no único modo de vida conhecido pelos protagonistas da nossa cena política.
A “direita indígena”? Está no governo, ou governa-se, ou quer governar-se.
Atenciosamente, do compadre amigo

Manuel Azinhal