A penetração de contra-valores nas sociedades contemporâneas
Sofrendo de tuberculose, António Gramsci morre a 25 de Abril de 1937, numa casa de saúde italiana. A cunhada herdou as suas notas da prisão, num total de 33 blocos, encarregando-se da sua circulação. Logo a seguir à guerra, estas notas tiveram um tremendo sucesso e exerceram uma enorme influência, em primeiro lugar na evolução do partido comunista italiano e depois na generalidade dos grupos de esquerda e de extrema-esquerda nos países europeus.
Em certos aspectos, especialmente se nós nos cingirmos apenas aos aspectos metodológicos da teoria de "poder cultural», as ideias de Gramsci provaram, actualmente, serem proféticas. E não devemos ficar surpreendidos pela sua importância nos reajustamentos estratégicos que caracterizam o que hoje é chamado, certo ou erradamente, Eurocomunismo - com fenómenos tais como a busca, pela maioria dos partidos comunistas europeus, de um novo «bloco histórico», o abandono pelo partido comunista francês do conceito de «Ditadura do Protelariado», a presente atitude do Partido Comunista Italiano, etc.
Várias tendências das actuais sociedades realçam em demasia - e consequentemente facilitam - a influência exercida pelo poder cultural. Em primeiro lugar, devemos notar que o papel desempenhado pelos Intelectuais dentro da estrutura social nunca foi tão importante como hoje em dia. A democratização da educação, o papel proeminente desempenhado pelos «media», a necessidade (relativamente às penetrações das modas, incessantemente renovadas) de encontrar «novos homens de talento» (reais ou supostos), a crescente sedução dos «opinion leaders» pelas ideias em moda (os «Gallups» fornecem um bom exemplo) e tendo todos estes factores repercussões uns nos outros, cria-se assim a possibilidade da Intelligentzia manejar um considerável poder.
Devemos notar ainda a importância crescente das actividades de «tempos livres» que ajudam ainda mais a propagação de um certo tipo de cultura e a divulgação de um certo número de temas e valores, a também crescente vulnerabilidade da opinião pública a uma mensagem metapolítica, tanto mais eficiente, sugestiva e assimilável, quanto as suas ideias-base e o seu carácter propagandístico não são realmente entendidos como tal e, portanto, não encontrando pela frente o mesmo tipo de racionalização de reservas de consciência que enfrentaria uma mensagem declaradamente politica.
Além disso, o poder dos espectáculos e das modas repousa neste carácter específico: uma novela, um filme, uma peça, um programa de televisão, etc., serão entendidos a longo prazo como políticos, mas de imediato trarão consigo uma lenta transformação, um lento deslizar das mentalidades de um sistema de valores em direcção a outro.
Finalmente, há outro aspecto das sociedades actuais que não podemos descuidar quando falamos da acção do poder cultural: é o facto de a maioria dos regimes liberais Ocidentais estarem pessimamente preparados e ainda totalmente indefesos, devido à sua própria natureza, frente a esta transformação das mentalidades e esta subversão das ideias.
Os poderes ocidentais estão, actualmente, prisioneiros dos seus próprios princípios por duas razões. Por um lado, numa ordem política pluralista a competição está, necessariamente, garantida para todas as ideologias em confronto e a sociedade não pode actuar contra as ideologias totalitárias sem correr o risco de se tornar (ou ser considerada) tirânica. O estado pode proibir a posse de armas de fogo ou o uso de explosivos; mas é-lhe muito difícil, sem interferir com o princípio da liberdade de expressão, proibir a publicação de um livro ou um espectáculo, ainda que estes constituam, se se apresenta a ocasião, como autênticas armas apontadas contra ele (Estado). Assim, as sociedades ocidentais arriscam-se a cometer um lento suicídio, encontrando-se, como se encontram, baseadas no pluralismo, pois este pluralismo não existe realmente sem o consenso da maioria dos seus membros e, por outro lado, a sociedade não pode pôr fim a este pluralismo sem requestionar as suas próprias bases. Consequentemente, é nos regimes liberais ocidentais, onde precisamente a intelligentzia é especialmente livre de exercer o seu papel crítico, que se encontra o mais fraco consenso. A ordem pluralista, como Jean Baechler constatou, é caracterizada por um pluralismo transitório. De facto, o pluralismo político, isto é, o reconhecimento institucional da legitimidade de esquemas competitivos e divergentes, produz por si próprio um efeito corruptivo no consenso.
A multiplicidade dos partidos, pelo simples mecanismo da competição dá-nos a possibilidade de nos apercebermos, cada vez mais claramente, da multiplicidade e variedade das partes, instituições e valores. De facto, quase nada ficou aos membros da sociedade para que possam chegar a um acordo unânime. ("Qu'est-ce que l’Idéologie?" Gallimard, 1976).
Em certos aspectos, especialmente se nós nos cingirmos apenas aos aspectos metodológicos da teoria de "poder cultural», as ideias de Gramsci provaram, actualmente, serem proféticas. E não devemos ficar surpreendidos pela sua importância nos reajustamentos estratégicos que caracterizam o que hoje é chamado, certo ou erradamente, Eurocomunismo - com fenómenos tais como a busca, pela maioria dos partidos comunistas europeus, de um novo «bloco histórico», o abandono pelo partido comunista francês do conceito de «Ditadura do Protelariado», a presente atitude do Partido Comunista Italiano, etc.
Várias tendências das actuais sociedades realçam em demasia - e consequentemente facilitam - a influência exercida pelo poder cultural. Em primeiro lugar, devemos notar que o papel desempenhado pelos Intelectuais dentro da estrutura social nunca foi tão importante como hoje em dia. A democratização da educação, o papel proeminente desempenhado pelos «media», a necessidade (relativamente às penetrações das modas, incessantemente renovadas) de encontrar «novos homens de talento» (reais ou supostos), a crescente sedução dos «opinion leaders» pelas ideias em moda (os «Gallups» fornecem um bom exemplo) e tendo todos estes factores repercussões uns nos outros, cria-se assim a possibilidade da Intelligentzia manejar um considerável poder.
Devemos notar ainda a importância crescente das actividades de «tempos livres» que ajudam ainda mais a propagação de um certo tipo de cultura e a divulgação de um certo número de temas e valores, a também crescente vulnerabilidade da opinião pública a uma mensagem metapolítica, tanto mais eficiente, sugestiva e assimilável, quanto as suas ideias-base e o seu carácter propagandístico não são realmente entendidos como tal e, portanto, não encontrando pela frente o mesmo tipo de racionalização de reservas de consciência que enfrentaria uma mensagem declaradamente politica.
Além disso, o poder dos espectáculos e das modas repousa neste carácter específico: uma novela, um filme, uma peça, um programa de televisão, etc., serão entendidos a longo prazo como políticos, mas de imediato trarão consigo uma lenta transformação, um lento deslizar das mentalidades de um sistema de valores em direcção a outro.
Finalmente, há outro aspecto das sociedades actuais que não podemos descuidar quando falamos da acção do poder cultural: é o facto de a maioria dos regimes liberais Ocidentais estarem pessimamente preparados e ainda totalmente indefesos, devido à sua própria natureza, frente a esta transformação das mentalidades e esta subversão das ideias.
Os poderes ocidentais estão, actualmente, prisioneiros dos seus próprios princípios por duas razões. Por um lado, numa ordem política pluralista a competição está, necessariamente, garantida para todas as ideologias em confronto e a sociedade não pode actuar contra as ideologias totalitárias sem correr o risco de se tornar (ou ser considerada) tirânica. O estado pode proibir a posse de armas de fogo ou o uso de explosivos; mas é-lhe muito difícil, sem interferir com o princípio da liberdade de expressão, proibir a publicação de um livro ou um espectáculo, ainda que estes constituam, se se apresenta a ocasião, como autênticas armas apontadas contra ele (Estado). Assim, as sociedades ocidentais arriscam-se a cometer um lento suicídio, encontrando-se, como se encontram, baseadas no pluralismo, pois este pluralismo não existe realmente sem o consenso da maioria dos seus membros e, por outro lado, a sociedade não pode pôr fim a este pluralismo sem requestionar as suas próprias bases. Consequentemente, é nos regimes liberais ocidentais, onde precisamente a intelligentzia é especialmente livre de exercer o seu papel crítico, que se encontra o mais fraco consenso. A ordem pluralista, como Jean Baechler constatou, é caracterizada por um pluralismo transitório. De facto, o pluralismo político, isto é, o reconhecimento institucional da legitimidade de esquemas competitivos e divergentes, produz por si próprio um efeito corruptivo no consenso.
A multiplicidade dos partidos, pelo simples mecanismo da competição dá-nos a possibilidade de nos apercebermos, cada vez mais claramente, da multiplicidade e variedade das partes, instituições e valores. De facto, quase nada ficou aos membros da sociedade para que possam chegar a um acordo unânime. ("Qu'est-ce que l’Idéologie?" Gallimard, 1976).
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