segunda-feira, fevereiro 20, 2006

"Vêm aí os "árabes"?"

Os povos muçulmanos têm bem presente o facto de nos últimos séculos todos os seus confrontos com as potências ocidentais terem sido perdidos, não por causa da superioridade das ideias ou dos modos de vida ocidentais mas, cruamente, pelo seu superior poder de fogo.
Existe por isso a alimentar o incêndio que lavra nas ruas e entre as massas do mundo islâmico um fundo ressentimento, de mistura com sentimentos contraditórios de admiração, de inveja, e de humilhação.
Os povos islâmicos sabem, e os seus governos também, que para falarem de igual para igual com as potências ocidentais terão que ter as suas economias, a sua tecnologia, os seus exércitos, as suas armas.
Estão decididos a alcançá-las.
Contraditoriamente, à medida que progredirem nesses objectivos as suas sociedades serão cada vez menos “islâmicas”, no sentido religioso, e cada vez mais ocidentalizadas.
Todavia, isso não significará mais pró-ocidentais: ao contrário, é bem possível que no caso dos grandes estados de população muçulmana (Paquistão, Irão, Indonésia, etc.) lograrem essa “ocidentalização”, colocando-se no mesmo patamar dos modelos que cobiçam, os seus sentimentos sejam sempre mais anti-ocidentais.
Faço estas considerações para tornar claro o que pretendi dizer ao enfatizar que a questão é política, e não religiosa. Estamos perante conflitos políticos, no sentido rigoroso e científico do termo.
São-no cada vez mais, e creio que essa característica tenderá a acentuar-se dia a dia.
O “islamismo”, originalmente uma religião, não desempenha nisso senão a função de bandeira de identificação e de mobilização.
E compreende-se melhor assim o que queria dizer quando trocei do “perigo islâmico”. Com efeito, para que as potências em ascensão na galáxia islamista possam aspirar a rivalizar com as ocidentais, e constituir desse modo um “perigo”, terão que ser cada vez menos islâmicas.
Se não ultrapassarem as limitações das sociedades guiadas pelas imposições do islamismo nunca serão perigo nenhum: nunca passarão da cepa torta onde vegetam há vários séculos.
Em termos simples: o Livro e o Profeta só passaram a ser ameaça para o Ocidente quando se encontraram com os computadores, os mísseis, a televisão, a internet, os cartoons, os aviões – toda a parafernália das realizações ocidentais.
Bin Laden e os seus não seriam perigosos se fossem uns ascetas a viver em cavernas e a comer passas e insectos, por mais fanáticos que fossem. Os únicos militantes que, do ponto de vista deles, conseguiram êxitos em empreendimentos anti-ocidentais foram aqueles que aprenderam em muitos anos a viver nas sociedades ocidentais tudo o que havia a aprender sobre a tecnologia de ponta e as suas fraquezas intrínsecas destas.
Daí o aparente paradoxo que apontei: o futuro desenvolvimento das forças islâmicas implicará que sejam cada vez menos islâmicas.
O que não significa que as potências disso emergentes, nascidas desse caldo de cultura que sintetizará ressentimentos seculares, identidades humilhadas e métodos e técnicas ocidentais, venham para se mostrar gratas e veneradoras aos que lhes serviram de modelo.
O mundo islâmico muito provavelmente apresentar-se-á cada vez mais ocidentalizado. O islamismo tenderá a ser mais e mais uma matriz fundacional, evocada como marca identitária.
E o Ocidente atingirá o seu limite natural: a globalização. Porém, e como decorre do que foi dito, essa universalização do “ocidentalismo”, se acarreta o fim do “islamismo”, não traz consigo a vitória e a segurança do Ocidente.

3 Comments:

At 5:23 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Em suma: da "ocidentalização" deles é que temos tudo a temer. Até uma bomba atómica...

 
At 11:22 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Porque é que o desenvolvimento tecnológico acarreta necessariamente uma “desislamização”? Não vejo que o desenvolvimento tecnológico acarrete necessariamente a adopção da «ideologia ocidental».

NC

 
At 5:36 da tarde, Blogger o engenheiro said...

Um belo texto.'tava a ver que era só eu...

 

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