sexta-feira, março 10, 2006

Notas e variações

Hoje foi dia grande: o ansiado reconhecimento do genial Professor João Espada, há muito aguardado entre adereços e ademanes oxfordianos, aconteceu finalmente, com entrada directa para o Palácio de Belém. Glória ao Harry Potter do liberalismo lusitano! Agora é que irá jorrar o leite e o mel - sempre ao preço do mercado e segundo todas as regras da livre concorrência.
Ao fim da tarde, por acidente (estava na sala de espera de um consultório), vi alguns minutos de "Morangos com Açúcar", o que basta e sobeja para me deixar mal disposto... e agoniado, descobri de repente porquê, aquilo fez-me sentir o mesmo que o livro da Mena Mónica, é a mesma coisa sem tirar nem pôr. Aqueles são os filhos, e os netos, mas é aquela gente do livro. Nunca cheguei a explicar o meu sentimento de repulsa quando confessei a leitura (foi a curiosidade levantada pelo Jansenista, mais a frustração de não ter partilhado nenhum dos prazeres gozados por ele) mas agora lembrei-me disso outra vez. Efectivamente trata-se de "Morangos com Açúcar" umas décadas atrás, uma atroz exibição de vulgaridade, de banalidade, de futilidade. Até quando querem ter ideais são pequeninos, e ditados por aquela ansiedade muito peculiar de parecer bem, de estar a la page, que domina uma certa burguesia lisboeta.
O que dói, dói mesmo, é que aquela gente ditou as leis e fez a história, dominou e domina ainda em grande parte o poder cultural e político na terra que despreza.
Não resisti a apontar a identidade entre o livro de Mónica e a abundante literatura de tias para cabeleireiras que gostavam de ser tias, as Mafaldas, Margarida, Ritas, porque me pareceu evidente a comunhão de raízes, de sentimentos, de valores (desculpem a impropriedade da expressão). Mas fiquei por aí: não cheguei a declarar o meu horror.
Todavia, tudo visto, o livro vale a pena. Está lá retratada e escarrapachada uma geração e uma classe (que até podia ser dirigente, se ao menos soubesse dirigir-se) nefasta como poucas na nossa história. Um marco do fracasso, do cabotinismo, da superficialidade de uma época que nunca soube encontrar um sentido.

1 Comments:

At 3:34 da tarde, Blogger reconquista said...

Não entendo a sua prevenção contra o liberalismo ECONÓMICO. Acha que a gente de ideais, ainda que sinceros e pensados, é mais capaz de estabelecer o preço das coisas do que o é o simples mercado, justo, entre oferta (o que custa) e procura (o que vale)?

 

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