domingo, abril 09, 2006

O enigma italiano

Alguns comentadores têm destacado a importância das eleições italianas que hoje se realizam. Um estimado confrade olha com alguma desolação o pessoal político italiano.
Se algum conselho me ocorre, é um simples: não se ralem, nem se aflijam.
Não creio que alguma coisa mude, seja qual for o resultado destas eleições. E os italianos também não. Parece-me, até, que estão sinceramente divertidos com isso.
Se fossem aplicados os critérios habituais de análise política ao caso italiano, as conclusões seriam assustadoras. Trata-se de um país ingovernável. A estas eleições concorreram mais de sessenta partidos, movimentos e coligações. Cada um com o seu espaço próprio, a sua militância e a sua implantação. Em nenhum sítio do mundo se discutem mais intensamente ideologias, programas e bandeiras. Há de tudo para todos os gostos, sem limitações assinaláveis (mesmo as leis anti-fascistas agora são razoavelmente ignoradas).
Se olharmos com algum distanciamento, e perspectiva histórica, veríamos que os governos mais recentes até foram dos mais duradouros e estáveis. Na realidade, a Itália passou décadas com governos de 6 meses: assim que terminavam as complexíssimas negociações para formação de um, e este tomava posse, começavam as intrigas para a formação do seguinte. A bem dizer desde o Verão de 1943, com o esboroar do fascismo, que a Itália não conhece um governo que governe. Antes disso ficou o Vinténio de Mussolini; e antes deste o panorama não era muito diferente do posterior. Em rigor, a Itália, essa invenção moderna (é bom lembrar que o estado italiano unificado é uma invenção oitocentista) ainda nunca possuiu um sistema político institucionalizado digno desse nome, nem sequer, fora os vinte anos de fascismo, uma governação com um projecto político próprio e capacidade de mobilização para o levar a cabo.
Estes últimos sessenta anos foram passados com os já mencionados governos de seis meses, e uma classe política que se distingue por oscilar entre a ópera bufa e as tradições mafiosas ou maçónicas.
São lícitas, por tanto, as conclusões catastrofistas? Nem pensar. A Itália, ao que tudo indica, governa-se perfeitamente bem sem governo. Nestas décadas em que o balanço meramente político apontaria para a barafunda e para o desastre, os italianos têm atingido resultados verdadeiramente notáveis no concerto internacional. Entre as economias dos estados que constituem a união europeia, qualquer português tem tendência instintiva para encarar como grandes a Inglaterra ou a França, e não para a Itália. Vício antigo: por inacreditável preconceito subestimamos sempre os italianos. Todavia, há muito que as economias da França e da Inglaterra foram ultrapassadas pela italiana. Mesmo de acordo com os números oficiais: porque se fosse contabilizada a economia clandestina a vantajem italiana seria muito maior. Um dia destes os alemães distraem-se e também eles são ultrapassados.
Que ilacções tirar? Provavelmente, é mesmo forçoso admitir que no caso italiano a superestrutura política é um postiço realmente supérfluo.
O que é certo é que ao longo do tempo o génio dos italianos, manifestado na sua criatividade e na sua irrequietude artística, cultural e também económica, jamais deu mostras de enfraquecer a chama, muito menos de estar em vias de se apagar.
Como me dizia há anos em conversa o Dr. Cruz Rodrigues, numa síntese feliz, os italianos são o único povo à face da terra que desde há quatro mil anos nunca deixou de estar no centro da História, fosse através do Império fosse através do Papado, fosse por que forma fosse.
Perante isto, relativizemos Prodi ou Berlusconi. Quem recorda os nomes da longuíssima galeria de primeiros-ministros italianos dos sessenta anos mais recentes? E porque haveria alguém de ocupar a cabeça a fixar semelhante coisa?

2 Comments:

At 1:47 da manhã, Blogger �ltimo reduto said...

Não vejo motivo para olhar de lado o pessoal político lá das Itálias. Tivesse a gente por cá um décimo que fosse do que eles oferecem...

 
At 1:39 da tarde, Blogger Combustões said...

Pedro, a Itália não pode ser termo de comparação, pois é única. Acho-lhes muita piada e venero a beleza daquele país onde tudo é museológico. Quanto a "isto", também não há que perder muito tempo em cogitações pois, como assinala o Azinhal, está a morrer com doença benigna desde o século XVI. Se não morre é porque é assim mesmo !

 

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