quinta-feira, julho 06, 2006

Bandeira de todos nós

Se é mandamento maior amar o próximo como a nós mesmos, como iremos gostar dos outros se de nós não gostarmos? Assim interrogativamente interpelava o Pinharanda (Mestre lhe chamaria se merecimento tivera para me chamar seu discípulo) a propósito dessa elevação do espírito que usa chamar-se de amor da Pátria.
Dele me lembrei agora movido e comovido pelas manifestações jubilosas erguidas à volta de bandeiras e símbolos colectivos, a pretexto de um jogo de misteriosas ressonâncias na alma popular.
Néscios serão os que menosprezam o sentimento e a vibração assim despertados; porque as mais das vezes importa mais o despertado do que o despertador, e os laços invisíveis que pareceram propagar-se e incendiar os corações de um Portugal imenso e oculto que tanta vez pensamos mais do que adormecido morto não podem deixar de impressionar o mais frio observador.
Bons são os tempos em que podemos pensar que os portugueses se amam, esquecidos dos tempos infinitos em que se detestam, se guerreiam, se invejam, se entredevoram e reciprocamente todos se paralisam e anulam, nas divisões mesquinhas em que lhes foi dado sobreviver.
Igualmente tinha visto e sentido essa misteriosa energia quando da espantosa movimentação levantada à volta da orbe a propósito de Timor. O estranho "unanimismo nacional" gerado nessa ocasião, como vejo de vez em quando referido em comentários de incompreensão e desprezo. E no entanto, para quem possa ver para além das positivistas limitações, um caso excepcional de emoção colectiva, um magnífico coro das raízes que ecoou até aos confins do mundo, até aos confins do ser que somos.
Demonstração póstuma da portugalidade, dirão alguns com amargura; demonstração de que há vida para além da morte, cumpre reconhecer então. Vitória única e momento inolvidável de orgulho e exaltação lusíadas, direi ainda, como havia muito se não via. Hora em que o impossível se fez feito, como outrora sempre o fizemos.
Momentos os dois em que outras verdades poderosas se manifestaram: o poder inclusivo dessa força assim desperta, que desmente negras cogitações. Nacionalismo não é porque não pode ser xenofobia ou racismo ou classismo ou clubismo ou partidismo ou quejandos sentimentos primários de quem pátria não tem. O contrário é que se vê na vida vivida em momentos assim. No impulso unitivo desse amor ascensional se transcendem rasteiras e materiais oposições, congregando num mesmo ser em movimento os humanos elos de uma cadeia espiritual superior.
O poder integrador da nação sentida e vivida permanece inigualável e insubstituível.

4 Comments:

At 1:04 da tarde, Blogger Mendo Ramires said...

Caramba! Que grande texto!

 
At 4:29 da tarde, Anonymous Anónimo said...

O Manuel acredita na consistencia patriótica de toda essa rapaziada que agita bandeirinhas?

Um abraço muito céptico,
Francisco Nunes

 
At 2:00 da manhã, Anonymous Anónimo said...

O Manuel acredita na quantidade de blogues nacionalistas que aproveitaram os problemas de Timor para denegrir ao máximo o que eles chamam de "parolice estúpida" "Ah, andaram com lencinhos brancos? É bem feito..."

 
At 12:50 da tarde, Blogger JSM said...

É sem dúvida um texto que nos interpela, que faz pensar, e nele pressinto, sem querer, alguma crítica a quem não consegue vislumbrar para além do seu próprio interesse de facção! Não penso evidentemente, que isto se dirija á minha pessoa, quem sou eu! nem aos impropérios que tenho lançado contra as bandeirinhas verde rubras;
Ainda assim, gostaria de precisar uma coisa: o sentimento que se esconde por trás da alienação é por certo genuíno, mas corresponde a uma deslocação de interesses. Não é pois negativo procurar indicar onde fica a bigorna...para que o martelo não me ande sempre a acertar nos dedos.
Repito, não fui interpelado, mas senti-me interpelado.
Um abraço.

 

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