A fúria neoconservadora contra a viragem de Bush
No "Diário de Notícias" de hoje Francisco Sarsfield Cabral chama-nos a atenção para a importância dos debates políticos em curso na América.
A fúria neoconservadora contra a viragem de Bush
"A actual política externa de Bush resume-se a palavras vazias." A acusação não parte de um europeu, nem de um americano de esquerda. Ela vem de um neoconservador, I. H. Daalder.
Daalder insurge-se contra Bush ter abandonado a política externa unilateral no segundo mandato, trocando-a por "mera conversa multilateral". Ora, diz ele, os fortes não negoceiam com os fracos, vencem-nos. Assim, Daalder lamenta que Bush já não utilize a força militar para forçar outros países a mudarem de política ou mesmo de regime.
Outro analista da área dos neocons, N. Eberstadt do American Enterprise Institute (AEI), classifica a posição americana face à ameaça nuclear da Coreia do Norte de meras palavras. Também do AEI, Danielle Pletka denuncia a "viragem de 180 graus" de Bush. E diz que todos os sinais apontam para uma falta de determinação no apoio dos EUA a Israel contra o Hezbollah.
Há mais de um mês, Richard Perle classificara de "recuo vergonhoso" a aceitação, por Washington, da possibilidade de negociar directamente com Teerão. Para os neoconservadores, Bush e Condoleezza Rice levaram os EUA a perder a iniciativa na cena internacional, que tiveram no primeiro mandato do Presidente.
Os neocons aproximam esta nova atitude de Bush da política conciliatória de Chamberlain, em Munique, face a Hitler (o célebre appeasement). Não surpreende, assim, que um dos mais furiosos críticos da presente política externa de Bush, o neoconservador Bill Kristol, proponha bombardear o Irão, agora que Teerão incendeia o Médio Oriente através dos seus protegidos Hamas e Hezbollah.
Bill Kristol defende uma acção militar contra o Irão com argumentos parecidos com os que usou para advogar uma invasão do Iraque. Nessa altura, Kristol previu que a invasão "iria clarificar quem está certo e quem está errado quanto às armas de destruição maciça" e "iria revelar as aspirações do povo do Iraque". Agora, ele espera de um ataque ao Irão uma mudança de regime, "detestado pelo povo iraniano".
O problema é que cada dia se confirma ter sido a invasão do Iraque um erro trágico, fazendo Bush cair nas sondagens. E não apenas por não se terem encontrado as tais armas de destruição maciça. Ou por incompetência de Rumsfeld, ao manter no Iraque um número insuficiente de soldados, como também acontece no Afeganistão.
Com eleições parciais para o Congresso em Novembro, a maioria dos republicanos quer tudo menos uma nova aventura militar. E os conservadores "clássicos" começam a levantar a voz contra os "neo".
George F. Will, que escreveu discursos para Nixon, estranha que quem se diz conservador não conheça os limites do poder. Poder militar e não só: os neocons desafiaram também a tradição conservadora de um Governo pouco interventor na economia e com as contas equilibradas.
Ora a estratégia neoconservadora de promover a democracia no mundo à bomba não parece ter resultados brilhantes. Além do fracasso no Iraque, nota G. F. Will, "as eleições levaram o Hamas a governar os territórios palestinianos e tornaram o Hezbollah numa facção importante do Parlamento do Líbano, a partir de onde opera como um Estado dentro de um Estado". E nas eleições do ano passado a extremista Irmandade Muçulmana conquistou um quinto do Parlamento egípcio.
Contra o sugerido ataque militar ao Irão, e lembrando que Bill Kristol já advogara o bombardeamento da Síria em Dezembro de 2004, G. F. Will evoca a política de contenção perante a União Soviética, iniciada pelo presidente Truman a partir de um famoso "longo telegrama" do diplomata George Kennan, enviado de Moscovo em 1946.
Mais tarde, os neocons queriam ver substituída essa política por outra, de roll back, obrigando os soviéticos a recuarem. Mas a contenção acabou por resultar e de que maneira. Como resultou o entendimento entre Reagan e Gorbatchov, na altura tão criticado pela extrema-direita americana.
Refiro estes debates entre conservadores nos EUA porque eles influenciam o nosso futuro - o futuro do mundo. Os neocons, oriundos em boa parte da extrema-esquerda e por isso habituados a dar prioridade à ideologia sobre a realidade, julgaram ter encontrado em Bush o político para concretizar as suas ideias.
E assim aconteceu de início, com a ajuda do 11 de Setembro. Os resultados estão à vista: o mundo tornou-se bem mais perigoso. Trata-se, agora, de limitar os danos, apesar dos protestos dos neocons.
A fúria neoconservadora contra a viragem de Bush
"A actual política externa de Bush resume-se a palavras vazias." A acusação não parte de um europeu, nem de um americano de esquerda. Ela vem de um neoconservador, I. H. Daalder.
Daalder insurge-se contra Bush ter abandonado a política externa unilateral no segundo mandato, trocando-a por "mera conversa multilateral". Ora, diz ele, os fortes não negoceiam com os fracos, vencem-nos. Assim, Daalder lamenta que Bush já não utilize a força militar para forçar outros países a mudarem de política ou mesmo de regime.
Outro analista da área dos neocons, N. Eberstadt do American Enterprise Institute (AEI), classifica a posição americana face à ameaça nuclear da Coreia do Norte de meras palavras. Também do AEI, Danielle Pletka denuncia a "viragem de 180 graus" de Bush. E diz que todos os sinais apontam para uma falta de determinação no apoio dos EUA a Israel contra o Hezbollah.
Há mais de um mês, Richard Perle classificara de "recuo vergonhoso" a aceitação, por Washington, da possibilidade de negociar directamente com Teerão. Para os neoconservadores, Bush e Condoleezza Rice levaram os EUA a perder a iniciativa na cena internacional, que tiveram no primeiro mandato do Presidente.
Os neocons aproximam esta nova atitude de Bush da política conciliatória de Chamberlain, em Munique, face a Hitler (o célebre appeasement). Não surpreende, assim, que um dos mais furiosos críticos da presente política externa de Bush, o neoconservador Bill Kristol, proponha bombardear o Irão, agora que Teerão incendeia o Médio Oriente através dos seus protegidos Hamas e Hezbollah.
Bill Kristol defende uma acção militar contra o Irão com argumentos parecidos com os que usou para advogar uma invasão do Iraque. Nessa altura, Kristol previu que a invasão "iria clarificar quem está certo e quem está errado quanto às armas de destruição maciça" e "iria revelar as aspirações do povo do Iraque". Agora, ele espera de um ataque ao Irão uma mudança de regime, "detestado pelo povo iraniano".
O problema é que cada dia se confirma ter sido a invasão do Iraque um erro trágico, fazendo Bush cair nas sondagens. E não apenas por não se terem encontrado as tais armas de destruição maciça. Ou por incompetência de Rumsfeld, ao manter no Iraque um número insuficiente de soldados, como também acontece no Afeganistão.
Com eleições parciais para o Congresso em Novembro, a maioria dos republicanos quer tudo menos uma nova aventura militar. E os conservadores "clássicos" começam a levantar a voz contra os "neo".
George F. Will, que escreveu discursos para Nixon, estranha que quem se diz conservador não conheça os limites do poder. Poder militar e não só: os neocons desafiaram também a tradição conservadora de um Governo pouco interventor na economia e com as contas equilibradas.
Ora a estratégia neoconservadora de promover a democracia no mundo à bomba não parece ter resultados brilhantes. Além do fracasso no Iraque, nota G. F. Will, "as eleições levaram o Hamas a governar os territórios palestinianos e tornaram o Hezbollah numa facção importante do Parlamento do Líbano, a partir de onde opera como um Estado dentro de um Estado". E nas eleições do ano passado a extremista Irmandade Muçulmana conquistou um quinto do Parlamento egípcio.
Contra o sugerido ataque militar ao Irão, e lembrando que Bill Kristol já advogara o bombardeamento da Síria em Dezembro de 2004, G. F. Will evoca a política de contenção perante a União Soviética, iniciada pelo presidente Truman a partir de um famoso "longo telegrama" do diplomata George Kennan, enviado de Moscovo em 1946.
Mais tarde, os neocons queriam ver substituída essa política por outra, de roll back, obrigando os soviéticos a recuarem. Mas a contenção acabou por resultar e de que maneira. Como resultou o entendimento entre Reagan e Gorbatchov, na altura tão criticado pela extrema-direita americana.
Refiro estes debates entre conservadores nos EUA porque eles influenciam o nosso futuro - o futuro do mundo. Os neocons, oriundos em boa parte da extrema-esquerda e por isso habituados a dar prioridade à ideologia sobre a realidade, julgaram ter encontrado em Bush o político para concretizar as suas ideias.
E assim aconteceu de início, com a ajuda do 11 de Setembro. Os resultados estão à vista: o mundo tornou-se bem mais perigoso. Trata-se, agora, de limitar os danos, apesar dos protestos dos neocons.
1 Comments:
Não tinha lido o jornal. Excelente texto.
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