segunda-feira, julho 03, 2006

O jogo dos fantasmas

No mais recente número da Atlântico, na rubrica "Líderes de opinião", o colunista Vasco Rato enuncia em tom algo lamentoso um problema bem conhecido da direita.
Queixa-se ele que a crescente visibilidade dos extremistas, de que indica os exemplos repetidos ad nauseam pelos media, "traz problemas para a direita democrática". E explica que "são frequentes as tentativas de, deliberadamente, confundir a direita democrata com o PNR", como o faz por exemplo Francisco Louçã ao "rotular o CDS como um partido de extrema-direita".
Vasco Rato insurge-se contra essa "manipulação", reconhecendo embora "os constrangimentos que se colocam à direita democrática quando se tenta abordar questões como a imigração".
E constata, ao que parece com alguma revolta, o processo segundo o qual "a esquerda comunista" em situações de debate político sensível, como é o caso da imigração, quando surgem as posições da tal direita democrática "invariavelmente rotula a iniciativa como sendo de extrema-direita" e "assim se evita uma discussão séria sobre esta e outras questões".
Não custa reconhecer que Vasco Rato descreve uma realidade.
O que espanta é o ar de novidade com que o "líder de opinião" a apresenta.
Desde que me lembro o debate político entre esquerda e direita sempre foi pautado por esse fenómeno, e ao que julgo saber também assim foi mesmo nos tempos em que não posso ter lembrança.
Esteja em causa qualquer questão política de relevo, designadamente as "questões fracturantes" a que alude o articulista, e a discussão incluirá inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, o recurso a essa artilharia: do lado esquerdo virá a acusação de que a posição defendida pela direita sofre de algum mal absoluto. Ou é fascista, quando o caso se apresenta mais grave, ou ao menos será de extrema-direita, reaccionário, sei lá que mais.
A técnica é simples, e traduz-se tão só em criar espantalhos, através dos meios de condicionamento ideológico que a esquerda vastamente possui, e depois usá-los como papões sempre que a ocasião o proporciona.
Efectivamente, não custa reconhecer que assim acontece. E cabe também reconhecer que o procedimento tem habitualmente funcionado, e condicionado todo o debate político e toda a vida pública desde há um tempo infinito.
Mas - e neste ponto parece-nos poder acrescentar algo que Vasco Rato não diz - importa também reconhecer que o mecanismo de luta política referido só funciona devido à atitude dos destinatários. São os protagonistas da arena política, do campo da direita a que alude Vasco Rato, que ao serem alvejados com essas armas de arremesso, de uso aliás bem habitual e perfeitamente conhecido, têm que se encolher e fazer os esconjuros e o vade retro que são de regra nesse jogo, colocando-se nas posições onde precisamente os adversários os queriam colocar. Para já não serem reaccionários, nem fascistas, nem de extrema-direita, nem padecerem consequentemente de nenhuma das irremediáveis condenações daí decorrentes.
Por outras palavras: sem a obediência aos reflexos condicionados despoletados por essa forma um tanto básica o problema apontado por Vasco Rato nem existiria. A verdade é que perante um qualquer louçã de dedinho em riste e olho arregalado interpelando-nos em pose ridícula de acusador ("o que dizem a isto???", "têm que se demarcar!!!", "é preciso condenar!!") só obedece quem quer, e só não se ri quem não quer.
Pode observar-se aliás que a utilização do método não depende da existência ou da visibilidade dos tais extremistas de que fala Vasco Rato: desaparecessem eles, ou perdessem de todo a visibilidade, e sem dúvida que a esquerda de que se queixa continuaria a fazer uso da técnica consagrada. E provavelmente como os mesmos resultados: os papões invisíveis até são por vezes mais eficazes e funcionais. O sucesso do truque só depende dos complexos dos destinatários.
Por isso que, como tem sido tantas vezes observado, até com admiração, frequentemente são os governos que à partida se apresentavam de esquerda que são capazes de tomar medidas apontadas como de direita, enquanto governos chegados ao poder com fama e expectativas que os situam na direita acabam por assumir uma governação sistematicamente à esquerda.
Acima de tudo, eles não querem é parecer de direita.
Comprometem obviamente todo o capital político que representavam - mas salvam a alma das condenações eternas a esse Inferno de que só a esquerda tem a chave. Não serão de extrema-direita, nem reaccionários, nem fascistas.

1 Comments:

At 3:34 da tarde, Blogger JSM said...

Excelemte exposição da realidade apesar de ter sido despoletada por um Rato que é rato.
Perdemos a guerra, facto. Ainda vivemos no pós-guerra, facto demonstrável todos os dias pela impossibilidade de discutir alguns dogmas da nova fé laica, como o 'holocausto', etc. O condicionamento de opinião existe portanto, e condiciona mesmo.
Que fazer, perguntariam as brigadas da esquerda revolucionária?
Vamos por partes: primeiro separará-los e isolá-los. Exemplo: Viva o Rei D. Miguel I! Quem está contra? Verá então muitos dos chamados 'direitas', direitinhas digo eu, a tossir, a engasgarem-se, a rumarem às suas 'lojas',etc.
Outro momento de inspiração e de charneira: vamos continuar com este benfica-sporting, adiando a restauração da monarquia! Vamos continuar a discutir porque é que Salazar não restaurou a monarquia?
Neste momento, nas fileiras já só restam patriotas que podem bem com todos os insultos que vêm por certo dos capatazes ao serviço dos patrôes Ingleses, Americanos, judeus todos eles, mas nunca ao serviço dos interesses de Portugal e dos portugueses.
Um abraço para o Alentejo.

 

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