sexta-feira, julho 28, 2006

Os vampiros

O "Correio da Manhã" de hoje anuncia sob o título "Corrida às pensões" que continua a aumentar a bola de neve dos subsídios vitalícios com que os nossos políticos decidiram dotar-se.
Irá crescer muito mais, se não houver alguém a fechar a porta que por via legislativa foi aberta.
Pena é que a generalidade do público não se aperceba, por falta de informação, da dimensão do problema (em geral ninguém está ao corrente do universo dos beneficiários, e não é possível obter informação sobre os montantes envolvidos).
Verifico mesmo que alguns cidadãos de boa fé, por isso mesmo, estão alheios aos mais perversos aspectos da regulamentação em vigor: como exemplo, veja-se este postal do Velho da Montanha onde se constata que o autor não está a par da característica cumulação prevista para esse subsídio mensal vitalício com outras pensões a que haja direito... Ou seja, os deputados Manuel Alegre e Manuela Melo vão poder cumular as pensões correspondentes ao exercício dos cargos políticos e aos lugares de origem em que o mesmo tempo ficou a contar. Vigora o princípio de que ninguém pode ser prejudicado na carreira e lugar que detém quando passou a ocupar um cargo político, e ao mesmo tempo o exercício desse cargo político gera igual direito a uma pensão, como sendo outra carreira paralela.
Dado o tempo entretanto passado sobre o início do regime, daqui resulta que está a aparecer uma geração de gente que apesar da pouca idade tem o direito à subvenção mensal vitalícia por desde cedo estar em cargos políticos; e simultaneamente está em condições de pedir a reforma como professor, ou funcionário das finanças, ou qualquer outro emprego que formalmente era o seu à data em que passou a ocupar o tal cargo político - sem que nunca mais tenha voltado ao emprego, que no entanto lá estava guardado e a contar...
Parece que este aspecto só ressaltou agora por causa de Manuel Alegre, que no fim de 1974 foi nomeado para um lugar de chefia na RDP, posteriormente passou a cargos políticos de onde nunca mais saiu e agora por ter feito 70 anos está em tempo de pedir uma e outra reforma, a da EDP onde nunca mais pôs os pés e a dos cargos políticos onde, precisamente, só tem usado os pés, a tempo inteiro.
Aqui há uns anos conheci eu um então Presidente de Câmara que me chamou a atenção para a bizarria da situação. Esse edil tinha entrado muito jovem ainda para funcionário dos impostos (aos dezoito anos, como acontecia nessa altura). Posteriormente tinha sido mobilizado e fora para Moçambique, onde tinha estado poucos meses porque sofreu graves ferimentos em combate e teve que ser evacuado. Começando a democracia, fora eleito vereador da sua terra e a seguir Presidente.
Resultado: o homem tinha a pensão de sangue, que não sendo grande coisa era vitalícia e cumulável com qualquer outra. E cedo alcançou os oito anos que então era a condição suficiente para ter direito ao tal subsídio vitalício, e cumulável com qualquer outra pensão, por estar a exercer cargo político. E entretanto o tempo tinha estado também a contar na Repartição de Finanças onde continuava colocado (apesar de nenhum colega o conhecer). Reformou-se das Finanças quando resolveu sair da Câmara.
Resultado: com 39 anos conseguiu reunir os requisitos para beneficiar das três pensões mensais em referência. E começou então nova vida.
Neste momento, são legião aqueles que tendo iniciado a vida política muito cedo estão de uma forma perfeitamente legal habilitados a comer a dois carrinhos (pelo menos, porque como é fácil de calcular eles logo arranjam outras gamelas). Não são só a Zita Seabra, o Pedro Santana Lopes, ou outros reformados ilustres. Nem só o Prof. Freitas do Amaral, excepcional acumulador.
São uma multidão, por terem pertencido ao governo e à assembleia legislativa de Macau, aos governos e às assembleias legislativas dos Açores e da Madeira, aos executivos das autarquias locais (temos centenas de câmaras, com milhares de titulares que se vão sucedendo às fornadas), e ainda ao Governo, à Assembleia da República, etc...
A modificação da Lei restringiu bastante o universo dos potenciais beneficiários; mas o mal já feito fica a onerar os cofres públicos por muitas décadas, e ameaça agravar-se grandemente a cada ano que passa, com a concretização de mais e mais reformas como as descritas.

4 Comments:

At 5:09 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Meu caro Manuel.
Essa questão da acumulação da reforma com a subvenção vitalícia, já a conhecia.
O que me faz "espécie" é porque é que Manuel Alegre se reforma pela RDP, na qual só trabalhou uns meses e Manuela de Melo se reforma como deputada e não como funcionária da RTP, na qual trabalhou quase 30 anos.
Estas duas reformas vêm indicadas na mesma lista e parece-me que se fosse o emprego de origem a garantir a reforma, Manuela de Melo deveria ser reformada pela RDP e não pela Assembleia da República.
Um abraço

 
At 6:23 da tarde, Blogger Manuel said...

Parece-me simples: o senhor viu a publicação da reforma de Manuel Alegre da empresa pública em referência porque ele fez os 70 anos.
Quando ele cessar as funções como deputado, logo que o entenda, pede a tal subvenção mensal vitalícia, a que tem direito sem prejudicar a outra.
Quanto a Manuela Melo é notoriamente mais jovem: certamente não tem ainda nem a idade nem o tempo de serviço exigíveis para a reforma pela RDP.
Mas completou o tempo de exercício de funções públicas para ter a subvenção por esse lado.
Daqui a algum tempo terá também a reforma por inteiro pela RDP. O tempo que esteve fora da empresa também esteve a contar!

 
At 10:15 da tarde, Blogger Nuno Adão said...

Disse, o Caro Manuel a dada altura, que é preciso "fechar a porta"..."por via legislativa"; mas infelizmente, isso já não é suficiente. O remédio requer outras acções...

 
At 2:06 da tarde, Blogger JSM said...

E assim se cavam as desigualdades entre as pessoas nestas republicas democráticas e muito populares. A partir do Estado, pois claro.
Não há-de o sistema estar falido!

 

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