sábado, agosto 19, 2006

A paz impossível no Médio Oriente

Mais um artigo lúcido e realista de Francisco Sarsfield Cabral sobre as questões do Médio Oriente.

É surpreendente a quantidade de pessoas a proporem soluções para o conflito entre árabes e israelitas. Até parece fácil resolver aquele que é, provavelmente, o mais antigo e complexo conflito da cena internacional.
Em plena primeira Guerra Mundial (1917), a Grã-Bretanha decidiu apoiar a criação na Palestina de um Estado para o povo judeu. Três anos depois, os britânicos tornaram-se administradores da Palestina e daquilo que é hoje a Jordânia e o Iraque.
Naturalmente, não agradou aos árabes da Palestina a perspectiva de serem expulsos para darem lugar aos judeus, que entretanto iam para ali emigrando. Em 1933 rebentou uma revolta árabe que durou três anos.
Mas as autoridades britânicas na região também eram alvo da violência dos judeus, que - nessa altura - não tinham escrúpulos em recorrer a acções terroristas. Nestas se destacou M. Begin, depois primeiro-ministro de Israel. O hotel Rei David em Jerusalém, então quartel-general britânico, sofreu em 1946 um atentado judaico que provocou mais de 40 mortos.
Mal foi declarado o Estado de Israel, em 1948, rebentou a guerra com os árabes. Guerra que, em rigor, nunca mais parou. O Estado de Israel ainda não é aceite por muitos árabes, até porque em 1967 os israelitas ocuparam novos territórios. Aliás, a rejeição muçulmana de Israel é hoje mais forte do que era há anos atrás. E o prometido Estado palestiniano já esteve mais perto de se concretizar.
Houve alguns progressos, é certo. O Egipto fez a paz com Israel, que reconheceu como Estado - levando à morte do presidente egípcio Sadat às mãos de extremistas islâmicos.
E quando parecia haver abertura de Israel para aceitar um Estado palestiniano, trocando "terra por paz", o primeiro-ministro israelita Y. Rabin foi assassinado por um extremista judaico.
Mesmo assim, ainda levantou algumas esperanças a aceitação, algo tardia e relutante, do Estado de Israel pela OLP de Arafat. Só que o líder palestiniano não só deixou a OLP atolar-se em corrupção como foi incapaz de travar os terroristas.
Em 2000, Arafat recusou em Camp David aquela que terá sido a derradeira hipótese de paz israelo-palestiniana, patrocinada por Clinton no fim da sua presidência. Este fracasso reforçou o desinteresse da nova Administração americana pelo processo de paz no Médio Oriente, hoje morto e enterrado.
O novo líder da OLP, M. Abbas, sucedeu a Arafat. Bush detestava Arafat e apoia Abbas. Mas tal apoio de pouco lhe serve: a autoridade de Abbas na Palestina é mínima. Mandam os extremistas do Hamas, que chegaram ao Governo através de eleições democráticas.
Assim, ainda com Sharon primeiro-ministro Israel desistiu dos processos de paz e passou a actuar unilateralmente. O que se percebe, dada a incapacidade de qualquer interlocutor palestiniano para garantir que Israel deixaria de ser alvo de atentados. A retirada israelita de Gaza há um ano bem como a retirada do Sul do Líbano em 2000 não acabaram com os mísseis e os ataques terroristas.
Entretanto, a invasão do Iraque só veio complicar as coisas. É verdade que, agora, soldados americanos estão fisicamente próximos de Israel. Mas isso pouco ou nada acrescenta à segurança israelita. Aumenta, sim, a hostilidade do mundo islâmico contra o eixo Israel-EUA. A situação no Iraque reforçou, por outro lado, a influência do Irão. Apesar de assustar o Egipto, a Arábia Saudita e a Jordânia, a aliança de Teerão com os xiitas iraquianos, o Hamas, o Hezbollah e a Síria está à beira de conquistar a liderança do mundo muçulmano. Incluindo os entusiastas da jihad que vivem na Europa. A sunita e antixiita Al-Qaeda já teve de saudar publicamente os xiitas do Hezbollah.
Os ataques de Israel em Gaza e no Líbano foram mais do mesmo. Dali não surgirá um "novo Médio Oriente". O Hezbollah não será desarmado. Pelo contrário, vai sair politicamente reforçado.
Nada que os israelitas não saibam. Eles já fizeram pior no Líbano, país que invadiram em 1982, matando mais de seis mil libaneses na primeira semana de guerra. Depois ocuparam o Sul do Líbano durante 18 anos.
Mas, com líderes muçulmanos como os do Irão (a caminho de produzir armas nucleares) apelando à destruição de Israel, este sente que, para não ser varrido do mapa, só lhe resta a via militar - com maior ou menor sucesso (desta vez, o sucesso foi curto).
A hipótese de paz com o mundo muçulmano, coisa diferente de um cessar-fogo, continua adiada por muito tempo.